Bom Era No Tempo Do Vandré
Anteontem estava ouvindo aquele segundo disco dos Mutantes, que tem duas ou três músicas que concorreram naqueles festivais da época aúrea da TV Record. Na primeira faixa os caras sacaneavam o cantor paraibano Geraldo Vandré, que, talentos à parte, era um esquerdista radical e vivia cobrando o tal engajamento por parte da classe artística. Já na última música usavam um côro de "bicha!bicha!", misturado a vaias, uma alusão ao comportamento caricato do público dos festivais, que acabou por tirar do sério gente como Sérgio Ricardo (foto), que eternizou o flagelo de seu violão diante da massa urrante bem antes disso ser moda em Seattle (terra de Hendrix e Cobain, dois carrascos de instrumentos nos anos e décadas subseqüentes). Esse tipo de ôba-ôba dava uma audiência gigantesca aos festivais; gigantesca pros números da época, claro. Um outro Brasil, onde não se podia falar nada ou mesmo andar em grupos na rua. Pra se ter idéia, a policia da repressão deu um jeito de queimar um dos teatros universitários que abrigava os festivais, só pra garantir que não ia ter mais nenhum por lá.
De lá pra cá a coisa incrementou, já que a paixão do brasileiro por festival, ou qualquer outro evento que junte música e gigantismo, continuou intacta. Já não se davam mais prêmios em dinheiro ou gravações quando Roberto Medina desembarcou o maior número de artistas internacionais a vir à Terra de Vera Cruz de uma só vez (mesmo que muitos deles nem estivessem mais na crista da onda). Seu Rock In Rio rendeu três edições, até se mudar de mala e cuia pra Portugal ("Rock In Rio Tejo"??). Outros aproveitaram o embalo dos internacionais pra fazer um upgrade e foram bons enquanto o Ministério da Saúde não proibiu eventos patrocinados por marcas de cigarro (e mesmo que não tivesse proibido, chegariamos ao ponto em que os próprios artistas se recusariam a vir, pelo mesmo motivo).
Hoje a magrenha das vacas é outra. As gravadoras perdem o sono sem saber ainda como vão vender música daqui por diante, muitas delas até ameaçam fechar as filiais nacionais e qualquer um é artista com conhecimentos básicos de informática pra se auto-produzir, auto-gerir e auto divulgar pela internet. O que não impede que as gravadoras criem seus darlings e se mancomuneiem com produtores de grandes festivais, criando uma ciranda milionária de lava-mãos.
O esquema não tem segredo: a gravadora tem interesse em valorizar seu produto (disco), o artista ganha dinheiro, efetivamente, com turnês; e acha ótimo estar sempre aparecendo nesse tipo de evento e valorizando sua imagem na berlinda. O dono (o verdadeiro) do festival não tem do que reclamar; Tem sempre um evento pra 20 ou 25 mil pessoas por noite, e as atrações lhe abrem portas na hora de amealhar parceiros comerciais, além de ainda poder "exportar" o formato do evento para outras praças.
Isso tudo seria lindo e maravilhoso se, no caso do Brasil, isso não causasse um esmagamento do mercado que existe independente desses mega-eventos. Existem bandas tocando e excursionando sem parar, em esquemas menores e informais, e que nem sempre tem a chance de emplacar numa vitrine com tamanha faxada. Coisas realmente legais e de conteúdo que são deixadas de lado em favor de dar mídia a quem já tem mídia demais. Há quem defenda que esse tipo de evento "esquenta" as cenas, mas meu sentido de aranha me avisa que esses festivais megalomaníacos só geram bandas tão insosas quanto as que as gravadoras vendem aos produtores,a final na briga de foice por uma chance ao sol, vale quase de tudo.
Reflexo dos tempos, do mundo globalizado, do excesso de informação (que é tão prejudicial quanto a falta da mesma)e principalmente da apatia do público, que aceita pagar o que for pra ver coisas que lhe são atochadas garganta abaixo. Em todo caso fica valendo, ainda, a máxima de Vandré: "A vida não se resume a festivais".
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