Terehell

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Arroz de Festa 1/5

Até a metade dos anos 60, os Beach Boys eram um grupo que fazia um sucesso relativo reciclando riffs de guitarra de Chuck Berry e mesclando com vocalises do melhor da música negra americana. Seu baixista e principal compositor, Brian Wilson, era exímio em escrever canções pueris sobre motos, garotas, turma da praia e carrões. Mas ao travar contato com o material dos Beatles, Brian começou a mudar seus critérios não só de composição, mas também de mercado. Ao ouvir uma cópia de “Rubber Soul” dos Beatles, Brian enxergou o fim da era dos compactos. Não haveria mais os “One-Hit-Wonders”, todos os LPs deveriam ser uma coleção de hits, e assim começou a gestação de “Pet Sounds”. O primeiro passo de Brian foi desligar-se das turnês da banda para dedicar-se 100% a feitura do disco, no papel de produtor. Em seguida, isolou-se no estúdio para criar o que foi definido por ele como “sinfonias adolescentes para Deus”: num trabalho beirando a obsessão, Brian Wilson criou uma obra de extrema beleza e sonoridade arrojadas, mesmo para os padrões quadrifônicos dos estúdios da época. As letras de “Pet Sound” já delineiam um problema que acompanharia Brian nos anos seguintes: uma depressão agravada pelo consumo de álcool e drogas. A perda da inocência (“Caroline No”), incompreensão (“I Just Wasn’t Made For This Times”), espiritualidade (“God Only Knows”), fuga (“Let’s Go Away For A While”), procura de auto-confiança (“That’s Not Me”) e do amor perfeito (“Wouldn’t It Be Nice”, “Don’t Talk Put Your Head On My Shoulder”), além de novas roupagens para arranjos tradicionais (“Sloop John B”) dividem espaço com orquestrações climáticas, harmonias vocais sofisticadas, instrumentos barrocos, oboés, tubas fazendo as partes do contrabaixo, theremin (instrumento de origem russa que mexe com as modulações do som, um vovô do controle de “pitch”, enfim, deve haver um fotolog sobre essa coisa em algum lugar ), latas de Coca-Cola e uivos de cães. O resultado final foi uma coisa que pegou os fãs dos Beach Boys de surpresa, e o disco encalhou. As experimentações e os problemas mentais de Brian seguiriam pelo disco seguinte, “Smiley Smiley” (uma versão mais “comercial” do abortado “Smile”, pirateadissimo nos anos seguintes), que trazia “Good Vibrations”, novamente com a sonoridade abusando dos recursos tecnológicos da época. Deprimido pela incompreensão do grande público, Brian já estava muito fora de si quando os Beatles começaram declarar que “Sgt. Peppers” era uma resposta a "Pet Sounds" e Paul MacCartney alegar que “God Only Knows” era a música pop mais perfeita já escrita até ali. Depois de anos praticamente como um zumbi, sendo explorado por empresários e gurus picaretas, além de brigas familiares na justiça, Brian Wilson recriou as canções de ”Pet Sounds” em um disco ao vivo em 2002 e pode ter o prazer de ver Sean Lennon tocando “Don’t Talk (Put Your Head On My Shoulder)” em seus shows, ao invés de tocar qualquer outra coisa dos Beatles ou de John Lennon. (The Beach Boys – “Pet Sounds” – 1966)

(Postado em 27/01/2004 em http://www.fotolog.com/terehell)