Inferno no Olimpo
É difícil tentar explicar, hoje, o que era fazer um show de rock em Teresina há doze anos atrás. Hoje vivemos na era da internet, da MP3, crianças andam com celulares na escola e uma série de facilidades de comunicação, coisas que em 1994 eram pura ficção científica, coisa de filme de Hollywood. Vivia-se a desconfiança do Plano Real, que dali a alguns meses nos jogaria de pára-quedas no sonho do Dólar um-por-um, aumentando não só o poder aquisitivo das pessoas, mas viabilizando a compra de instrumentos e equipamentos importados (entendam-se instrumentos que podiam se chamados de ”bons”).
Mas aqui ainda não havia uma confiabilidade nem mesmo no nome das bandas, pelo menos não a ponto de se ligar pra uma equipe de som querendo contrata-la e não levar o telefone na cara. Pior ainda eram os espaços pra shows. O Encena (um bar GLS situado na avenida Campos Sales, num galpão industrial, e que cedia uma noite na sua programação para shows) e o Teatro do Boi (no Matadouro, bairro da zona norte fora, e já bem afastado, do centro, um equivalente da época ao Noé Mendes em magnitude de shows), os dois points da época, estavam fechando as portas, apesar do comparecimento do público. Um misto de bar com programação alternativa e "open house", o Zeus tinha contra si a vizinhança. Ficava no final da Senador Teodoro Pacheco, ladeado pelo baixíssimo meretrício e pelos armazéns do cais do Parnaíba. Lá, na noite de 11 de junho de 1994, um sábado, eu subi num palco pra tocar rock pela primeira vez na vida.
Não havia muitas opções: éramos uma banda desconhecida, tocando barulheira, e precisávamos começar a tocar em algum canto, depois de três meses socadando os instrumentos numa garagem do Acarape. Tínhamos de ficar, obviamente, à sombra de uma banda um pouco mais conhecida, ao menos; coisa que foi relativamente fácil de resolver com uma mãozinha da Viagem Aflita do Betume da Judéia, então com um pouco mais de “estrada” que nós. Tinha tudo pra sair perfeito. Jefferson Costa, um amigo de um amigo da UFPI, fez o cartaz, todo de colagens, bem “punk”, e várias xerox foram espalhadas pela cidade. O som foi alugado do Lino, que vêio a se tornar depois o primeiro dono de um estúdio de ensaios na cidade, funcionando nos fundos de sua casa, ao lado do terreiro de umbanda pertencente a sua mãe. Era um equipamento modesto, mas bem operado, e serviria como uma luva. Meu nervosismo quanto ao sucesso dessa primeira empreitada só piorou quando eu cheguei a esquina do Zeus. A rua estava tomada de gente até o cais da Avenida Maranhão. Confesso que estava até mesmo cansado, pois tivera de carregar as caixas do P.A a tarde, parte do “contrato”.
Vejam bem: era um show com lotação garantida, só no boca-a-boca, o que já garantia grande coisa; não fosse um pequeno descuido. Pensamos em tudo, menos em como cobrar entrada. Por uma praticidade, e também pra não entrar em conflito com a direção da casa, mantivemos o couvert artístico que era cobrado usualmente, mas, ingenuamente, não frisamos isso na divulgação. Muitas pessoas foram até lá achando que o show seria de graça, e noutra ingenuidade, não colocamos ninguém na porta pra cobrar o couvert logo na entrada. Por “muitas pessoas” quero dizer quase a totalidade das pessoas que fariam parte de alguma banda nos anos seguintes. É fácil encontrar quem tenha ido ao Zeus naquela noite, não só entre os músicos, mas também pessoas ligadas a cultura em geral, e todos eles são unânimes em afirmar: Não fosse a cobrança do couvert, a balburdia que estava prestes a se instalar no local não teria acontecido.
Nós, como banda desconhecida, tínhamos de servir de boi-de-piranha e abrir o show. Tudo bem, não fosse um punk de quase 2 metros de altura ter a brilhante idéia de instalar uma cadeira bem ao meu lado para resolver o problema do palco baixo demais para os clássicos "stage dives". Cada vez que ele pulava, suas longas pernas acertavam o braço do baixo, me fazendo não só errar tudo, mas me perder totalmente na execução das músicas. Corajosamente, nosso set tinha 70% de músicas próprias (o que até hoje é um ato de coragem), e os covers eram coisas obvias da época, como Nirvana e Titãs.
Lá pelas tantas, já terminado nosso show, o garçom do lugar tem a brilhante idéia de sair, de pessoa em pessoa, cobrando o couvert. Não demorou muito pra muita gente se irritar e querer ir embora, no que foram contidos pelo pesado portão gradeado do Zeus. Com o lugar bem próximo de se tornar uma usina nuclear em pane, acontece a última coisa que poderia ter acontecido: um blackout. Existem várias versões pra esse blackout, não vou me prender a lendas e suposições, apenas vou me eximir de tê-lo provocado, até porque, naquele tempo, eu não teria a malícia de faze-lo a fim de tentar esvaziar o local (e hoje não o faria por uma questão de inteligência). Durante longos e intermináveis minutos o Zeus ficou banhado na mais densa escuridão, tempo suficiente para que alguns mais radicais usassem as pequenas pedras que calçavam o chão da área de show contra a Viagem Aflita, fato que eu também me eximo, já que fui atingido por algumas no meio da confusão. Quem já estava querendo sair aproveitou não só para abrir, mas também para arrancar fora, o portão e, em grande estilo, passear por sobre os carros estacionados na rua. Estava armada a saia justa. Como faríamos pra pegar o som e os instrumentos de dentro do Zeus sem levarmos, no mínimo, uma pressão pelos prejuízos?
Ao voltarmos, dois dias depois, a situação não era tão feia quanto imaginavamos. Fora o portão, que já havia sido recolocado no lugar, não houve prejuízos materiais realmente grandes (já os prejuízos pessoais foram maiores, visto que muitos, alguns que nem estiveram lá, nos culpam pela confusão até hoje) e voltamos a tocar no Zeus algumas vezes antes do seu fechamento definitivo. Nas muitas voltas que a vida dá, Vera Leite, uma das donas do Zeus, hoje administra um dos locais que mais acolhe (e bem) o rock teresinense, o Espaço Trilhos.
Assim, doze anos atrás, nos jogamos de cabeça no abismo. Sem rede de proteção.
5 Comments:
Como de praxe, um ótimo texto. Continue contando esses causos de vezem quando. Eu não sabia que tinha um terreiro de umbanda na casa do Lino. Minha primeira aventura com banda foi lá :P
isso dava um livro, sabia?
;)
Cacildis!
show!show!show!putz,a gente se trasporta pro zeus,né?kkkk!conta uma do independencia ou rock pra matar saudade!!!!alias,o terehell tá virando uma enciclopédia de comédia!!!
Não posso contar nada do 'Independência & Rock' por dois motivos: Não fui parte envolvida no projeto, e tb eu ainda estou vivo, então não dá pra rolar a versão 'uncensored' da estória toda sem nomes, fatos e eventuais ações judiciais. Deixa só eu contando os causos que aconteceram comigo mesmo...
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