Dentro do Verdinho
“Você ainda toma esses negócios?”. Lígia apanha a caixa de comprimidos onde está escrito “Rivotril”. “Quando te conheci você tomava bala, mas já gostava de andar nesses ambientezinhos”. O bar conhecido por “Verdinho” era administrado por um palmeirense fanático e era o tipo do lugar onde se vai se não se deseja ser encontrado ou visto na companhia de alguém. Até por isso virou um discreto ponto de encontro de pessoas atrás de sexo e drogas.
“Você queria ser vista comigo num restaurante sofisticado, por acaso?”, responde Isabela engolindo o pequeno comprimido laranja com um gole de chopp. “E o cartão?”
“Você não ligou do seu celular? Seu ID é suprimido.”
“Uma vez estava fora de área, noutra não atendeu”
“O sujeito deve ser desconfiado, ou essa altura está longe. Eu estaria.”
Não tão longe, próximo a entrada do banheiro feminino, Jorge e Ângela eram servidos do tradicional sanduíche de pernil de porco, carro-chefe do cardápio da casa. Ângela sentia a fome do exército da Rússia. Jorge olhava apático para a iguaria, não tinha ido ali pra comer.
“Eu fiz um dinheiro bom, nêga. Vamo comigo pro norte?”
Ângela por pouco não engasga. “Eu? Ir pro norte com você? Você deve estar maluco. Aqui eu sou puta, mas ao menos eu não tenho cafetão nem homem nenhum mandando em mim”
“Olhe...Eu não posso mais ficar muito tempo aqui. Já devia ter ido embora há uma semana”
“Problema seu, gatão...Aí que fome”
Por cima do ombro de Jorge, Ângela avista Isabela. Trava um risinho e continua a comer, jogando olhares em direção a mesa do lado oposto. Jorge percebe. “Tu tá rindo de que, hein?” “Aquela menina do cabelo castanho...Fiz um programa com ela uma vez, numa festa grã-fina. Eu tava com um figurão chato, encontrei ela por lá, acabamos indo embora juntas. Maluquinha ela.”
Jorge se vira para olhar ao mesmo tempo em que Lígia levanta a vista. Numa fração de segundo a secretaria reconhece o pistoleiro, mas este se volta rapidamente para a posição anterior.
“Ai meu Deus...Isa...é ele!”
“Ahn?”
“O sujeito, lá perto do banheiro, de costas pra cá”
“Tá me tirando”
“Te juro. Vamo embora, a gente liga pra Policia”
“Cadê ele?”
Isabela corre os olhos pelo interior do bar e para ao perceber um aceno discreto de Ângela. O rosto não lhe é estranho. Não consegue juntar o nome com a pessoa. Ao perceber uma enorme tatuagem de uma carpa japonesa que salta do decote das costas de Ângela, Isabela lembra da festa de um dos diretores do holding do pai. Estava meio bêbada, tinha tomado hipofagins para aplacar a fissura das balas. Tinha arriscado puxar uma conversa sobre tatuagens com a menina e acabaram sumindo da festa. Ficou na dúvida se era prostituta, mas nem perguntou nem Ângela se pronunciou.
“Conheço aquela mulher...”
“Você é de morte...”
“Sério. Catei ela numa festa. Será que ela tem rolo com ele?”
“Nem quero saber. Mas a policia quer muito. Vamos embora ligar”
“Você vai. Eu vou lá como quem não quer nada. Ele tem de estar aqui quando a policia chegar”
“Tá maluca?”
“Além do mais, ele te viu no escritório. Sorte ele não ter te reconhecido. Vai, corre, liga lá que eu vou lá puxar papo”
Lígia solta o cabelo tentando sair o mais discretamente possível do bar. Isabela se arma de seu sorriso mais cínico e ruma em direção à mesa próxima ao banheiro.
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