Pichação em Magenta
Uns dias atrás eu fui fazer um serviço e dei com uma coleção maravilhosa de livros, aqueles capa-dura, com o autógrafo do autor na capa,à ouro, marcador preso no prelo, papel biblíco, carissímos, nem vendidos em livraria comum são; eu mesmo só tenho dois: Um Oscar Wilde, presente do meu pai, e um Boudelaire, que paguei com meu suado dinheirinho, o bastante pra uma boa viagem, diga-se de passagem. Fiquei ali admirando Dostoiévski, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Edgar Alan Poe, enfileirados lado a lado com Tolstói, Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes, fora meus velhos conhecidos Wilde e Boudelaire, entre outros. Dei até os parabéns ao dito pela coleção, introsamento dos introsamentos, já que não fui lá pra admirar livro nenhum. Hoje, coincidentemente, voltei lá. Como o cidadão estava ocupado num afazer e ia demorar pra me atender, meti a mão na estante e catei um Alan Poe, dos meus preferidos, escritor americano de estórias policiais, de suspense e as ditas "estórias fantásticas", como "Hog Frog", sobre um anão (falarei dos anões na literatura em outra oportunidade...) que serve de bobo-da-côrte e grotescamente se vinga do rei que não ri de suas graças. Mas terror mesmo eu experimentei ao abrir o tomo. O nobre dileto comete o crime hediondo de RISCAR os livros! E o comete com requintes de crueldade: De caneta VERMELHA. Imaginem vocês se depararem com um poema como "O Corvo", um masterpiece, como diriam os estadunidenses, em traduções para o português de Machado de Assis e Fernando Pessoa, riscado de rubro, não só marcando o dia e a hora que começou a ser lido, mas cheio de partes sublinhadas e chaves e colchetes visando destacar algo numa coisa que só se faz perfeita em sua plenitude; Começo, meio e fim (Já dizia Gregório de Mattos Guerra, grande poeta barroco, "A parte sem o todo não é parte/O todo sem a parte não é todo"). P#$%&* que pariu! Fechei o pobre Poe riscado. Podia ser um caso isolado. Qual nada. Meu homônimo Pessoa, riscado em vermelho ainda em estado mais deplorável. Eu costumava riscar meus livros, uma rubrica, o mês e o ano na primeira página. Hoje não o faço mais, por entender que aquilo não é apenas um bem material, comprado com esbanjo de dinheiro, mas uma coisa que vai servir a um amigo, um descendente, até mesmo a pessoas que eu nem vou chegar a conhecer, por anos à fio depois que eu me for dessa dimensão. Deixei o Pessoa, pichado em magenta, descansar em paz de volta na estante, seu papel biblíco caro cheio de vincos vermelhos, qual cortes à faca, tratado como papel de enrolar carne em açougue. Fui tratar dos meus assuntos com o dignissímo dono da coleção, que muito deve se gabar dos livros que compra (e não cuida) na roda de amigos, enquanto recita as partes soltas que decorou, entre chaves e colchetes escarlates.
1 Comments:
É, querido... E te digo que este camarada aí não é o único a marcar de vermelho as páginas de livros.
Eu, que já tive como ganha pão a compra e venda desses preciosos objetos mágicos, deparei-me várias vezes com estas mal traçadas linhas vermelhas, página após página. Curioso; por que não um lápis? Ou, até, azul ou verde? Era sempre vermelho! E eu achava até que se tratava de um complô dos que acreditam que livros não devem ser vendidos, para que eu permanecesse na miséria, afinal, um Baudelaire no original em francês não vale nem 3 reais se estiver todo marcado de magenta...
Desse jeito, além de não ser vendido, fica impossível, inclusive, ser lido, né?
Vai entender...
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