Terehell

sábado, novembro 17, 2007

Numa Sexta Como Essa

A Rita vivia me perguntando quem pagava minhas contas, como eu tinha dinheiro pra manter aquele apartamento, modesto mas com tudo do bom e do melhor. "E essa tua aposentadoria? Tu era empregado de quê? Nem calo na mão tu tem!". Respondia só que eu não me importava se ela fazia programa com os gringos, nem com os horários malucos de ir dormir dela. E não me importava mesmo. Gostava dela, me fazia compania, e os horários trocados dela, além de me darem sensação de liberdade, me deixavam á vontade pra limpar meus ferros, dar meus telefonemas, fazer um serviço ou outro, e garantir de deixar tudo como estava. Um dia, infelizmente, aconteceu o que eu temia. Uma colega dela da boate me liga no celular, nem meu nome sabia, disse que a Rita tinha sido espancada por dois playboys no meio de um programa. Mantive a calma. Eu não podia ir numa delegacia. Liguei pro escritório, pedi o contato do Aranha, o "limpa-merda". Todo cara que trabalha nesse ramo recorre ao Aranha pelo menos uma vez na vida, afinal, merdas acontecem. O Aranha tinha trânsito livre em delegacia, necrotério, se arrancava no meio da madrugada pra limpar local de chacina errada, desaparecia com corpo, etc. Até buscar um sanduiche de salame na chapa ali na padaria da esquina ele ia, se fosse o caso. Aranha me pediu quarenta minutos. Britânicamente me retorna a ligação. Não tinha voz de quem acordou no meio da noite. "Tenho duas notícias: uma muito ruim e uma boa". A Rita tinha chegado já nas últimas na clínica que o Aranha recorria pra fazer alguma atendimento de emergência na surdina. Essa era a pior das notícias. A boa era que o Delegado de plantão era amigo dele de futebol na praia e tinha descolado o endereço dos dois boyzinhos. Eram gente conhecida. O pai tinha posto pra fora de casa pra ver se tomava vergonha na cara mas não adiantou de nada. "Me passa aí então. Mas não dorme ainda que eu vou precisar de você mais tarde". Peguei uma sacola de ginástica, pus três ferros dentro e em vinte minutos tava na porta do apartamento do tal sujeitinho. Entrar foi mais fácil do que eu pensava. Porteiro dormindo que nem um cordeirinho. Antes de subir aproveitei pra ver se tinha câmera ou se o dorminhoco tinha controle dos portões da garagem. Nada de câmera, prédio antigo. Antigo e mal-frequentado. O cara era uma pedra, tirei o controle do bolso dele e ele nem parou de roncar. O apartamento era de fundo, oitavo andar. Um garoto verde como um zumbi saiu do apartamento e eu finji estar procurando as chaves pra abrir o apartamento vizinho. Toquei a campainha. "O Bruno me mandou aqui buscar uma parada pra ele". O boy nem titubiou, foi logo abrindo. O lugar era uma bagunça, roupa suja por todo lado, carreira de pó em cima da mesinha de centro, resto de embalagem de delivery pra todo lado, muitas caixas aparentemente vazias. "Diz praquele filho-da-puta que não tem mais fiado pra ele!". Calmamente, enquanto o sujeito pesava o pó numa balancinha de feira, eu pus a sacola no chão, abri e tirei uma 45 que nunca me errou um tiro. Era pensar "perna" e mirar, e lá ela acertava, sem erro. Uma nuvem de pó branco, parecida com talco, subiu quando o primeiro tiro derrubou o boy no chão. O sujeito segurava a perna e me olhava com aquele olhar cagão. Fiquei imaginando ele e o outro espancando a Rita e só fiquei mais puto ainda. "Calma...calma...Pode ficar com a boca, calma". Traficante eu até entendia como comerciante, mas aquele era pior que viciado, e viciado é rato. "Quero tua boca não. Quero saber cadê o outro que espancou a moça do Café Dançante agora a noite". Choramingando me pediu pra não morrer. O parceiro tinha ido entregar uma carga de pó pra algum gringo num hotel. "Tem erro não, eu espero por ele. Agora tu, pode passar no balcão e pegar tua passagem". Saquei um outro ferro da bolsa, encostei perto do peito do cagão, só pra dar o de misericórdia. Me sentei, acendi um cigarro, tornei a mexer na sacola e deixei um rifle curto mas de calibre mais pesado só aguardando a volta do outro boy. Lembrei da Rita dizendo que queria um sítio, sair daquela bagunça de cidade. Perguntava se eu sabia plantar, falava em galinha, porco e vaca. Já quase o dia amanhecendo a porta mexeu. O cara ainda fez menção de correr quando viu o amiguinho estrebuchado no chão, mas não teve nem conversa. Foi serviço ainda mais rápido. O corpo ficou jogado na parede com o impacto do balaço, fez aquele manchão de sangue quando foi escorregando pro chão. Toquei o celular pro Aranha. "Tem dois aqui pra você cuidar. Pode sumir que é sangue ruim, ninguém vai voltar pra reclamar". O sol já tava alto e era uma sexta-feira, como hoje.

3 Comments:

At 1:34 PM, Anonymous Anônimo said...

eu gosto quando tu escreve assim.

 
At 5:34 PM, Blogger André Gonçalves said...

muitobão, fernando.
abraço.

 
At 2:10 PM, Blogger Andre Melo said...

Por indicação da ju, vim aqui ler e gosteeei. Mt bom.

 

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