Terehell

segunda-feira, outubro 03, 2005

Túnel do Tempo


22 de abril de 1985. Segunda-feira. Um menino de onze anos acorda assustado pensado que ia perder a hora da escola. Chovia. Sua primeira aula do dia era Educação Artística. Um trabalho muito complicado pra entregar, valendo pontos e fragilíssimo de carregar. Havia consumido boas horas daquele final de semana, com poucas escapadas pra ver o jornalista Carlos Dorneles ler os boletins sobre a saúde do presidente eleito Tancredo Neves, internado com uma crise de diverticulite aguda. Todos comentavam ao seu redor que Tancredo já havia morrido, que os militares não gostavam de seu vice, José Sarney e que as fotos e imagens dos jornais, revistas e TVs eram montagens. O feriado havia caído no domingo, descobrimento do Brasil e Tiradentes. Mas a escola era rígida, o pai também era. Admitia tudo, menos perder escola. Mesmo com chuva. Ia chegar com o tênis inchado, ficar a aula toda com frio pelo uniforme molhado. Agasalhou o trabalho embaixo da farda. Dobrou a direita na esquina da rua Arlindo Nogueira, não havia como fugir das canaletas transbordando pelo acumulo de folhas e terra, tinha de pisar na água. Até que seria divertido, fosse a tarde, depois da aula. Esgueirou-se por toda marquise que ia encontrando pelo caminho, limpando as gotas do rosto pra enxergar o caminho. As ruas desertas. Onde estariam os pais levando seus filhos de carro pra aula? Onde estariam os outros alunos da vizinhança com quem sempre cruzava, indo a outros colégios do bairro? Frutarias e mercearias, os primeiros que abrem pela manhã, fechadas. Dobrou a esquerda na Benjamin Constant. Nada de carros em direção a escola. 06:30 da manhã, era pra estar bem movimentado. Esquina com a Gabriel Ferreira, só o barulho da chuva. Onde foram todos? É segunda. Um amigo mora um quarteirão abaixo. Os pais não gostam que atravesse a Campos Sales. “É rua, mas tem movimento de avenida”. Chama pelo amigo junto ao portãozinho de madeira. O amigo morava com uma tia solteira. Já prevendo que algo tinha acontecido, só consegue perguntar, sem graça: “O Carlinhos terminou o trabalho dele?”. Do outro lado da portinhola de madeira a tia pergunta: “O que você faz aí molhado? Não tem aula hoje. O presidente morreu ontem, dez da noite, depois do ‘Fantástico’. Você não viu não?” Tinha dormido cedo, saído apressado de casa pra não perder a hora, pra cumprir a lei patriarcal de nunca faltar à aula, não viu nem falou com ninguém. “Tia, posso ligar pra minha casa?” “Mãe? Meu trabalho molhou todo...”. “Você saiu pra escola? O presidente morreu, você estava dormindo. Volte pra casa, o general Figueiredo mandou dar feriado”. Faz todo o caminho de volta pra casa; o pai abre a porta. “Vai tirar essa roupa molhada, menino!”. O trabalho amassado, borrado e encharcado, quase em decomposição, fica pelo meio da sala.

7 Comments:

At 12:51 AM, Blogger Mariana Arraes said...

Deve ser por essas e outras que passou que hoje é o grande ser humano que é. Passe a lição pra frente!

 
At 7:17 AM, Blogger janine said...

eu te admiro muito fernando.

 
At 7:45 AM, Anonymous Anônimo said...

kkkkkk!!!!ow,migo,que niinduuu!!!fico imaginando quão fófis tu numdevia estar,parecendo um pinto molhado,daqueles beeem "fêizins"...rararara!!!então,lembro bem do momento que o porta voz da presidencia Antonio Brito disse a frase que eu nunca esqueço "...o presidente da republica,tancredo de almeida neves,acaba de falecer..."lógico que ele tava morto há um tempão,lógico que ele não era nada meu e nem ao menos tinha ideia naquele momento do que era exatamente fim de ditadura começo de democracia (rsrsrsrs) ...mas eu chorei,sabe?talvez pq ele passasse com aquela imagem de vovo legal...mas a gente nunca vai saber.Aí,veio o Sarney e o resto,todo mundo sabe.
FERNANDO,TE LER É UMA VIAGEM!

 
At 4:37 PM, Anonymous Anônimo said...

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At 12:02 PM, Blogger Daniel said...

Me lembro de um episódio parecido, mas não envolvia governo e militares, só minha constante falta de atenção. No período da páscoa, todos tinham q levar um ovo para pintar na sala. Por um instante eu o coloquei na mochila para ver algo e me esqueci, resultado : ovo esmigalhado dentro da mochila.
Houve outro deste naipe, envolvendo um tubo enorme de cola dentro da mochila, já dá pra adivinhar o que aconteceu né:P
Ah...a infância...

 
At 9:21 PM, Anonymous Anônimo said...

ow minha gente... tadinho... hehehehe!
=]

 
At 5:33 PM, Anonymous Anônimo said...

ahahhaha.
coisa fofa! te adoro, querido.
beijão!

 

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