In Rainbows For All
Não existem coincidências. O arco-íris abaixo do avião, com o planalto central lá no chão, é puro presságio. Avião do Iron Maiden estacionado em Brasília é pura ironia. Só torcia mesmo por uma São Paulo sem chuvas e alagamentos. Tudo seco, até onde dá pra ser seco por lá, festinha de aniversário da Paçoquinha e pra fechar a noite desse "re-encontro", Gigante Animal e Eu Serei a Hiena na Outs; com o Panço, povo de Teresina transformando padaria em Mercearia e o Psiu do Kassab dando o ar da graça.
A gente costuma associar, corriqueiramente, a cidade de São Paulo com a expressão "caos", mas nunca imagina o que é isso realmente. Ronaldinho contra o Santos no Pacaembu e, no sentido oposto, Radiohead numa tal Chácara do Jóquei, um lugar bem afastado da zona sul paulistana. O motorista do táxi avisa logo: "se for em Taboão (da Serra, município contíguo a SP) a tarifa tem acréscimo de R$5 reais". Na verdade pareciamos mesmo estar fora do caos. No limite entre o Butantã e a Vila Sônia (lá onde nasceu Cafú) pessoas olhavam pela fresta das cortinas de suas pequenas casas aquela penca de gente estranha descendo e subindo uma sinuosa ladeirinha. A "procissão" vira atração; vizinhos põem cadeiras na porta, outra vizinha vai buscar café, e o dono de um botequim tem o sossego de seu Corinthians x Santos atrapalhado por uma clientela atípica de indies cheios de tatuagens geeks e tênis vintage multi-coloridos.
A volta dos Hermanos foi pra mim um contraste. O público nordestino os trata como deuses, já os paulistas não escondem, em sua grande maioria, o bairrismo ranheta. um cidadão levemente embriagado passa por mim e solta um "cariocas pedófilos", muito provavelmente se referindo ao affair de Marcelo Camelo e Mallu Magalhães. Quem quer mesmo vê-los fica na beira do palco, e lá de trás, a muito custo, se ouve uma manifestação de simpatia. Som muito bom, a dispeito da bronca dada por Bruno Medina sobre o som do show anterior na Praça da Apoteose, no Rio. Nítido, audível e bem equalizado. Só em ter ficado assim, já tava de boa. Mesmo assim Medina não desfez a carranca, Amarante parecia desconfortável até a terceira ou quarta música, Camelo se enrolou na velha timidez de sempre. Barba, Bubu e os metais deram seu apoio ao show, correto, sem arestas ou pressa e com direito a coisas como "Cher Antoine", raridade nos setlists mesmo quando a banda excursionava com frequência. A volta dos que não foram, um dia quem sabe, promete.
Vários motivos fariam um show do Kraftwerk, naquele contexto, uma experiência estranha. Apesar da sua indiscutível importância, 3/4 da banda não são mais a formação clássica. Os teclados foram substituídos por notebooks, e mesmo sendo uma influência confessa dos donos da noite, soariam, minimamente, deslocados. Mas os alemães sabem usar o telão e mesclar com uma sequência de músicas que fazem qualquer rave que você já foi parecer programa de índio. Um interlúdio divertido antes de alguém apertar o botão do caos.
o "atraso" de um minuto é charme. 22:01, a silhueta do pequenino Thom Yorke aparece se dirigindo ao meio do palco; para, olha incrédulo 40 mil pessoas acomodadas na Chácara do Jóquei como sardinhas em um barril. O que se segue nos próximos 140 minutos é algo entre cartase contida e hipnose, alavancados por um repertório bem amarrado, que acaba descendo redondo até quando a banda saca material mais experimental da manga. Mas dão uma colher de chá pra uma interação com o público em "Paranoid Android", repetindo a última parte da "suíte" para que o público acompanhe Yorke ao violão, pouco antes de atacar "Fake Plastic Trees", um golpe de misericórdia. Nada de discurso político e/ou ecológico durante o show. O Radiohead deixa isso pras camisetas feitas de garrafas plásticas recicladas, pros pedidos de mosh zero durante o show (o site do Just A Fest apresentava um comunicado curto da banda agradecendo aos fãs que não consumassem a prática), a banda sabe separar as coisas. Cilindros prateados criavam um enorme código de barra no fundo do palco, mesmo quando não estão sendo usados. As projeções por sua vez lembravam bastante as imagens do documentário promocional feito pela banda quando do lançamento de "In Rainbows". Um show redondíssimo.
Não adiantou muito esperar a Chácara esvaziar. O caminho de volta ao ponto de táxi foi lento, poeirento, e sem táxis suficientes no final. Só não se tornou uma experiência realmente perigosa porque a quantidade de gente à procura de veículos era tanta que inibiria um arrastão, se fosse o caso. Aí é o caos. Nem a terça parte das 40 mil pessoas foi de carro ao local. Os que se atreveram a pegar um ônibus se afastavam do local do show e tomavam, já bem mais adiante, os táxis que ainda estavam vindo, logo eles não chegavam nunca. Já quase 3 da manhã de segunda-feira, uns quarenta táxis, provavelmente acionados pelos px e inúmeros chamados de celular, chegaram em quantidade para um resgate. Feliz como um naufrágo no seco, cheguei pescando de sono no hotel.
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