Terehell

sábado, fevereiro 18, 2006

O Serviço


Empurrou a pesada porta de blindex e dirigiu-se a mesa da secretária. “Bom dia, gostaria de falar com o Dr Apriggio....”, disse num forte sotaque nordestino. A secretária encarou-o num misto de desdém e pouco-caso.

“Quem deseja?”
“Diga que é Jorge”
“Jorge de que?”
“Diga que é Jorge...Da prestadora de serviços”

(prestadora de serviço...esses paraibas não se enxergam)

“Dr. Apriggio, o senhor Jorge...da prestadora de serviços...Tudo bem...O senhor pode entrar, ele já está lhe esperando.”

Abriu um sorriso preso entre as bochechas, ajeitou a gravata e adentrou a sala do figurão. Sujeito alto, moreno, cabelo crespo aparado na máquina zero, uma ligeira barriga denunciava seus quase 40 anos. Estendeu a mão à Apriggio, igualmente alto, magricelo, rosto côvado, dedos amarelos de nicotina, cara e bafo de quem já estava no quinto uísque do dia. Apontou-lhe a cadeira.

“Meu rapaz, eu preferia ter ido ao seu encontro num lugar mais discreto, mas devido a natureza do meu problema eu não queria nem que as pessoas que trabalham próximas a mim soubessem desse nosso contato. Você compreende não é...?”

“Sem problemas, doutor. Mais discreto que o seu escritório, impossível. E não se avexe não, discrição é meu lema.”

Na seqüência, Apriggio lhe passou detalhes do caso. A mulher, depois de trinta e tantos anos de casamento, estava saindo com o personal trainner, gente de dentro de sua casa, indicado pela filha, que Apriggio também achava que o sujeito traçava. Ele próprio, dirigindo o carro particular, tinha dado flagras a distância na mulher com o amante. Mas não tinha coragem de finalizar o rival. Olhava Apriggio com uma certa pena. Em sua terra, os cornos eram cabras dignos de dó, ninguém chamava o outro de corno á troco de nada, nem de brincadeira. Era passível de morte, assim como as adulteras eram punidas com seus amantes pelas próprias mãos do chifrado. Já dizia seu avô, que também fora pistoleiro: “Honra se lava só com sangue”.

“Aqui nesse envelope tem todas as instruções. Horários, o endereço do cretino, local de trabalho, locais públicos que freqüenta. Depois suma, não quero mais saber de ver você nem ser ligado ao sumiço desse desgraçado, está entendido?”. Jorge fez que sim, embora perdido em pensamentos olhando os quadros atrás de Apriggio: Apertos de mão com árabes, de esquis num cenário todo branco, uma foto mais moço e igualmente cadavérico. Deteve o olhar na foto de casamento. A esposa era muito bonita. Correu os olhos mais um pouco e percebeu que o tempo fez bem mais estragos a Apriggio que a ela. Continuava bonita. O Personal funcionava.

“Vou lhe pagar logo, assim não temos de nos encontrar novamente pra nada, você some e acabou-se. Vai lá pra sua terra, ou pro litoral. Essa grana dá até pra você viver no exterior, se quiser, por um tempo”. Puxou uma maleta preta por debaixo da mesa. Dólar. O olhar de Jorge continuou distante. “Tudo bem, Doutor”, foi dizendo e também colocando uma pesada pasta de couro preto sobre a mesa. “Pro senhor ficar mais seguro, vou lhe dar um recibo”.

Apriggio ia perguntar que brincadeira de recibo era aquela quando recebeu um tiro certeiro bem no meio da testa. Um pequeno filete de sangue escorreu entre seus olhos, e quando este caiu pesadamente sobre a mesa, pequenos pedaços de massa encefálica escorreram da foto dele no primeiro aniversário do neto, logo atrás de sua cadeira. Jorge rapidamente desmontou o silenciador da pistola, guardou-o no bolso, a pistola num coldre sob o paletó e transferiu os dólares para a maleta onde antes carregava a arma.

Ao sair da sala, cumprimentou novamente a secretária e avisou-lhe que o Dr Apriggio pedira para não ser incomodado até o final do expediente, pois estava com dor-de-cabeça e tinha tomado um comprimido. A secretária aquiesceu e até achou bom pois faria uma pausa pro café.

Diante do elevador, Jorge faz uma ligação do celular. “Bom dia, Dona Laura! Como tem passado? Olhe o serviço foi prestado...Sim, tudo nos conformes, mas eu esqueci de lhe prevenir e agora a senhora vai ter de fazer o pagamento em dólar, visse?”