Ex-Maquinaria
E em SP, acreditem, faz, às vezes, um calor digno de nem sentir saudade de casa. Nessas horas a conhecida deselegância discreta das paulistanas tira do armário até saída de banho pra tentar aliviar o calorão. Mais sobre o tempo adiante...
Vou pedir a vocês um "boooo" virtual pros organizadores do Terra e do Maquinaria, que não chegaram a uma decisão inteligente sobre datas e trombaram os dois festivais. Mau pros dois. Nenhum conseguiu repetir os 30 mil presentes do Radiohead em março passado. Um racha, evidentemente. Creio que muitos que foram ao Terra acharam que o festival seria mais "adulto", enquanto o Maquinaria agradaria a pivetada "nóinha", na gíria paulistana.
Puro engano. A platéia do Maquinaria era basicamente dos trintões que curtiram Faith No More e Jane's Addiction nos anos 90, e continuaram vislumbrando a influência dessas no trabalho dos Deftones, lá pela segunda metade da mesma década. Perdi Nação Zumbi e Sepultura. Uma série de fatores: clima, distância e saco pra ficar em pé com uma das pernas toda detonada. Mas Chino Moreno e companhia já valeram de cara isso tudo. Com aparência bem mais saudável, Chino puxou novos e velhos sucessos de todos os discos e inaugurou a interação com a platéia, pra desespero dos seguranças. Só senti falta de "Back to School", de resto o baixista-estepe segura a ausência de Chi Cheng, ainda hospitalizado devido a um acidente de carro há quase um ano.
Entre um show e outro, respectivamente, Sayowa e A Maldita. Coincidência ou não, bandas que já trabalharam na gringa com os produtores do Maquinaria...A primeira investe num som com percussão, meio batido. A segunda vai de hard-power-pornô, nada novo embaixo do sol desde Screaming Jay Hawkins, Alice Cooper ou, mais recentemente, Marylin Manson. Mais sobre entre-shows adiante, junto com o tempo.
Jane's Addiction fez um show correto. O show que se espera de uma banda como eles. Tudo é muito profissional. Um belo pano de fundo usava uma gravura de uma caveira mexicana, estilo "dia dos mortos", o telão passou um trecho de um filme onde a banda é citada. Bailarinas, uma delas esposa do vocalista Perry Farrell, interagiram em "Three Days", "Summertime Rolls" e na jam final, com passistas de uma escola de samba (talvez o ponto baixo: clichê e brega). Dave Navarro deu pití com um fotógrafo, mas sem grandes consequências. Perry Farrell é o último dos andrógenos, uma coisa entre Bowie e Ney Matogrosso. Eric Avery fica lá no canto dele, sua permanência na banda parece algo burocrático e ele dá sinais claros disso, embora em momento nenhum o JA deixe de passar em grande estilo pelas músicas dos discos da formação clássica. Tudo profissional, direto e na medida.
Aí voltam o tempo e as entre-bandas. O céu fecha, já noite, e começa a chover. O vendedor de capinha de chuva (tão comum por lá quanto cambista) logo inflaciona o preço e o hino nacional começa a rolar no PA do palco Myspace. A Vanussa, será? Pior: Supla e seu irmão João Suplicy causaram 40 minutos de suplício (sic) com sua "bossa furiosa" nomeada "Brothers of Brazil". "Japa Girl" e chuva na moleira, o preço de esperar pelo Faith No More.
Ao som de "Reunited" (de Peaches & Herb, uma espécie de Jane & Herondi afro-estadunidenses), empunhando um guarda-chuva, óculos escuros, paletó vermelho-pomba-gira e uma bengala, Mike Patton dá o sinal pro começo dos cem minutos de fim do mundo com "From Out of Nowhere", daí desfila, de enfiada, clássicos de todos os álbuns da banda, com ênfase em "King for a Day - Fool for a Lifetime". Sempre conversando com a platéia num português canastrão, o FNM vai do namoro com o death metal em "Surprise You're Dead" à balada-xarope "Easy" (dos Commodores de Lionel Ritchie) sem cerimônia. "Evidence" tem a letra vertida para o português e "Caralho Voador" não fica fora do set. Algumas músicas foram bastante espichadas pelas loucuras e bizarrices de Patton, como fingir um ataque de tosse e vômito em "Midlife Crisis", ou fazer quem pagou 450 reais na àrea VIP gritar "pôrra,caralho" como se fosse uma criança boca-suja de seis anos. Podia ter aproveitado pra tocar coisas como "Falling to Pieces" ou "Zombie Eaters", mas dou um desconto por terem privilegiado bastante material de "Angeldust", um de seus discos mais "difíceis" e sub-estimados.
Escaldado de chuva e da espera por um táxi no meio da madrugada, escapuli antes do segundo bis, mais um momento Antena 1, depois de uma versão matadora de "We Care a Lot". São Paulo amanheceu fria e meio com cara de chuva, mas daí só me restou entulhar a mala e me escafeder.
P.S: Graças a um amigo com vivência e bons contatos na paulicéia pude ver na noite anterior ao Maquinaria a ressureição-relâmpago de 2/4 da primeira formação do Pin Ups num galpão desfarçado de lounge-chic na Barra Funda. Gracias, Erick!