Terehell

sexta-feira, março 31, 2006

Simple Automatic


Muitas vezes a gente procura uma coisa onde ela não existe. O povo filosofou em cima do nome desse disco, que era mensagem sobre o rock dos anos 90, senha pro novo milênio, que era crítica da robotização da sociedade e do consequente ostracismo da raça humana. Porra nenhuma: Do lado do ensaio dos caras tem uma lanchonete de beira-de-estrada com um cartaz avisando das qualidades rápidas de atendimento, com esses dizeres, apenas isso. A vida é simples assim. Um dia atrás do outro, um desenho num papel, e por aí vai.

E o Thom Yorke continua pagando um analista, porquê daria um dedo da mão pra ter feito esse disco.

(R.E.M - "Automatic For The People" - 1992)

quinta-feira, março 30, 2006

Fortune Cookie Big Hits Vol.3

"Se um urubu cagar na sua cabeça, não reclame: agradeça por elefantes não voarem"

quarta-feira, março 29, 2006

Fortune Cookie Big Hits Vol.2

Os últimos serão os primeiros, mas os do meio continuarão sendo os do meio

terça-feira, março 28, 2006

27.03


"Diga adeus e atravesse a rua
Voamos alto depois das duas
Mas as cervejas acabaram e os cigarros também

Cuidado com a coisa coisando por aí
A coisa coisa sempre e também coisa por aqui
Seqüestra o seu resgate, envenena a sua atenção
É verbo e substantivo
Adjetivo e palavrão

E o carinha do rádio não quer calar a boca
E quer o meu dinheiro e as minhas opiniões
Ora, se você quiser se divertir
Invente suas próprias canções

Será que existe vida em Marte?
Janelas de hotéis
Garagens vazias
Fronteiras
Granadas
Lençóis

Existem muitos formatos
Que só têm verniz e não tem invenção
E tudo aquilo contra o que sempre lutam
É exatamente tudo aquilo o que eles são

Marcianos invadem a Terra
Estão inflando o meu ego com ar
E quando acho que estou quase chegando
Tenho que dobrar mais uma esquina

E mesmo se eu tiver a minha liberdade
Não tenho tanto tempo assim
E mesmo se eu tiver a minha liberdade:
Será que existe vida em Marte?"

segunda-feira, março 27, 2006

Mentiras Só

Estava lendo uma passagem de "Misto-Quente", de Charles Bukowski, onde o personagem principal é obrigado a ir a um comicío do presidente dos EUA e fazer uma redação a respeito, à guisa de dever de casa. Sabendo que os pais não o deixariam ir, o pequeno inventa toda uma redação ficcional, que é escolhida pela professora para ser lida para toda classe. Ao final da aula, esta o manda esperar e o interpela se ele realmente foi ao comício. Diante da negativa envergonhada, diz ao jovem Henry Chinaski que isso só torna seu trabalho de casa algo ainda mais prodigioso. No caminho de volta para casa, pela primeira vez sem tomar cascudos dos meninos maiores, Chinaski mostra-se maravilhado. "É apenas isso que eles querem? Mentiras? É tão fácil assim?!".

Sim, nós artistas somos todos um bando de mentirosos. Stephen King escreve sobre assombrações e serial killers sem nunca ter visto um saci pererê sequer ou ter estado frente a frente com um matador; Johnny Cash escreveu sobre um cara que matou outro em Reno (a Las Vegas dos pobres)e agora se lamentava atrás das grades em Folsom Prison, lugar que ele levaria quase 25 anos pra conhecer pessoalmente; Monet criou cores desfocadas que não correspondiam objetivamente as paisagens que todos viam; sem falar no cinema, a mais mentirosa de todas as artes.

É isso que "vendemos": ilusões, fugas. Só esquecemos de avisar que é tudo ficção, que nomes e situações são meras fatalidades artistico-literárias, ou seja, nada daquilo deve ser levado a sério. Não somos fazedores de chuva, apenas damos um empurrão na válvula de escape. Isso nos joga, ás vezes, no que convencionamos conhecer como "sucesso", esse redemoinho desgovernado, uma roleta russa de neon cegante, o começo e o fim de tudo. Viramos personagens xerocados de nós mesmos, reféns silenciosos das mentiras que inventamos e vendemos.

De repente temos de ter a resposta para todos os dilemas, temos de compreender todas as dores da alma humana, quando não temos respostas nem pro que nos atormenta na hora de dormir ou apenas usamos de nossa arte para dividir, à esmo, uma dor pessoal. Somos mentirosos, vivemos e fazemos apologia da mentira, da fantasia, do faz-de-conta. Citando meu xará mais famoso, fingimos ser dor a dor que nem sequer sentimos.

A grande penitência é que somos mentirosos "do bem", fingimos e enganamos em favor do entretenimento, do ato de abrir uma janela salvadora para fora dessa casa em chamas chamada Realidade. Somos mentirosos, docemente mentirosos.

sábado, março 25, 2006

O Gancho


Peter Hook é um desses caras que virou seu herói e você muitas vezes se esquece desse fato, em boa parte pela atitude anti-qualquer-coisa que o afasta da imagem de rockstar bufão. Hook fez boa parte das linhas de baixo do que se convencionou chamar nos últimos vinte e cinco anos de “rock moderno”. Desde o Joy Division, onde seus timbres graves criaram riffs de identificação instantânea, passando pelas batidas eletrônicas do New Order e de raspão em seu projeto solo Mônaco, esse cidadão de Manchester bota muito garotão no bolso.

Caiu na minha mão um DVD do New Order com uma apresentação da banda de 2002, num festival de verão inglês, pela capa, uma foto desfocada do baixista, eu já devia desconfiar que ele rouba a cena. Os amplificadores de Hook saúdam a partida do ramone Dee Dee e ele faz por onde honrar um de seus heróis. Enquanto Barney Sumner, mesmo parecendo ter dobrado a dose de Prozac, fica colado ao microfone e Stephen Morris não disfarça o tédio atrás de seu kit de bateria, Peter passeia com seu visual de caminhoneiro pelo palco, divide backings, vai a beira da barricada atiçar a platéia (encharcada e enlameada), chuta spots de luz, faz coreografias de tai-chi-chuan com o instrumento, e fosse isso muito pouco, a certa altura de “True Faith”, onde não tem o que tocar, vai fazer dengo na backing vocal quase nos fundos do palco e na volta dá um beliscão no traseiro do guitarrista de apoio.

Pra acabar de roubar a cena a banda ataca alguns (excelentes) hits do Joy Division; aí dá-lhe Hook. Vê-lo com o baixo nos joelhos puxando sons como “Transmission”, “Digital”, “She’s Lost Control”, a introdução soturna de “Atmosphere” e a indefectível “Love Will Tear Us Apart” são momentos dignos de figurar naquela propaganda de cartão de crédito: não tem preço!.

Peter Hook, que um dia foi mais um garoto punk entediado no norte da Inglaterra, é nosso herói esquecido de todas as tardes.

sexta-feira, março 24, 2006

Degaulleana


O Brasil é realmente um país engraçado.

Nos ano 60, devido a manifestações contra os milicos, foram proibidas as vendas de bolinhas-de-gude, pois os manifestantes as usavam para derrubar as tropas a cavalo.

A Vodca também foi proibida, pois o governo via na bebida uma apologia ao comunismo.

Jânio Quadros, enquanto presidente, proibiu o biquíni nas praias. Quando prefeito de São Paulo, já na virada dos anos 80 para os 90, proibiu o skate.

O Brasil é um dos poucos países do mundo onde existem cartórios. Em grande parte do mundo, uma assinatura vale sobre qualquer coisa, bem como o perjúrio (mentir sob juramento) é crime gravíssimo.

Aqui somos obrigados a prestar serviço militar e a votar, mas não temos escolas públicas onde aprender nem a importância do voto nem a letra do hino nacional.


O ditado “Em briga de elefante sobra sempre pra grama” só faz sentido onde existem personagens como o motorista do Collor, o piloto do PC e o caseiro do Palocci.

Somente aqui se presta um concurso pra ganhar menos do que já se ganha como trabalhador instável.

Por essas, e infelizmente muitas outras, o Brasil é um país engraçado, logo continua sem ser um país sério...

quinta-feira, março 23, 2006

Fortune Cookie Big Hits Vol.1

"Tivesse eu mais a dar, guardaria na caderneta de poupança"

segunda-feira, março 20, 2006

Genealogia

Meu bisavô Dondon foi dono de um jornal, de uma vacaria e de uma tropa de burros. Entrou para as elides da imprensa piauiense por empastelar quem não lhe pagava a edição diária. Também podiam ganhar linhas nada honrosas parentes, amigos e figuras da sociedade da época. Nos anos 20, o cemitério São José era um dos pontos extremos da cidade, e como não haviam rabecões, o corpo do finado era carregado (geralmente envolto num lençol, como mortalha, e numa rede, como caixão, artigo caro naqueles tempos) pelos familiares e amigos. Dondon tinha a macabra diversão de acompanhar os féretros e anotar quem deles debandava. A meticulosidade do obituário nos dia seguinte rendia muita confusão. Vivesse nos dias atuais talvez nem fosse classificado como jornalista, um fanzineiro talvez: era dono, editor, redator, repórter, tipografo e ainda fazia as vezes de jornaleiro, pois vendia leite in natura e água de porta em porta (não havia AGESPISA e Dondon era privilegiado por ter um poço cacimbão no amplo terreno no qual morava, hoje próximo ao aeroporto). Ao completar bodas, resolveu publicar um ementário sobre a boa convivência no casamento, ditando regras e saberes da política doméstica, incluindo aí espetadas na sogra e nos cunhados. Passou as bodas no manicômio da cidade (onde depois funcionaria a cadeia pública, que foi demolida para dar lugar ao ginásio Verdão), internado pelos filhos. Sem se fazer de rogado, ao sair do cárcere escreveu uma edição especial sobre as agruras junto aos doentes mentais. No Brasil da virada dos anos 20 para os 30, era comum os jornais serem arrombados e destruídos e “O Denunciante” não foi exceção. Suas máquinas e linotipos (pequenas peças de chumbo amarradas por uma liga de borracha que formavam os textos, tal qual um quebra-cabeça em forma de carimbo, a serem impressos) foram lançados às águas do Parnaíba, mas resgatados pelos meninos que por lá banhavam diariamente. Ainda alcancei alguns parentes que o conheceram em vida, entre eles uma das irmãs do jornalista Carlos Castello Branco, que lembrava que Dondon sempre passava para fazer visita aos parentes. De preferência na hora do almoço. Os parentes, mais por simpatizarem do que por temerem ser malhados, lhe faziam festa e nunca lhe negavam um prato de comida. Todas essas estórias são contos quase pitorescos, e são contadas não só por mim, mas por gente como Carlos Said, Paulo Vilhena e também por alguns metidos a estoriadores de marca menor, que captam para si exemplares antigos de “O Denunciante” e, penso eu, passam o dia a olhar sozinhos para ele, ou mesmo vangloriam-se de tê-los em seu poder. A Casa de Anísio Brito, o arquivo público municipal, tem exemplares do jornal em péssimo estado de conservação, e até mesmo nós da família temos material muito escasso. Pensando nisso, já há alguns anos atrás, tive o cuidado de microfilmar a única cópia de “O Denunciante” a qual tinha acesso. Esse microfilme (na verdade um negativo) hoje está no arquivo do sindicato dos jornalistas, a disposição de quem quiser vê-lo. Espero assim que quando algum picareta puxa-saco de academia de letras resolver escrever algumas linhas sobre meu querido bisavô, não o exalte apenas como um “doido-manso” de uma Teresina que não existe mais, mas com o devido respeito que lhe é devido pelo exercício da informação sem censuras, ampla e irrestrita.

domingo, março 19, 2006

O Pacote




Abriu a porta para apanhar os jornais e deu de cara (quase de pé) com um pacote. Pensou: Não estou esperando encomenda de ninguém. Checou o destinatário. Ele mesmo. Ao virar o pacote percebeu que o volume lá dentro era algo mais ou menos pesado pra ser frágil e vulnerável a quedas ou empilhamentos. No local do remetente um timbre com a inscrição “PODE SER ABERTA PELO ECT”, e vários quadrados para serem marcados em caso de devolução. Levou o pacote para dentro e colocou-o sobre a mesa de centro da sala. Ficou ali, de roupão e chinelos, ainda entre o sono e o sonho, imaginando que raio de pacote seria aquele. Procurou a portaria. “O correio deixou agora cedo era encomenda especial, até tive de assinar meu RG. Não é pro senhor não?”. Não ia ralhar com o pobre porteiro. A pior coisa pra ele seria levar um cagaço por conta de uma correspondência errada. Agradeceu a informação e desligou. Ficou em pé em frente à mesa de centro espiando o pacote. Cruzou os braços, tentou lembrar o dia da semana. Havia esquecido se ia receber algo? Até ali o pacote não tinha lhe desafiado a curiosidade, até porquê podia não ser seu. Mas tudo indicava que era, então poderia abri-lo. Brincadeira do pessoal do escritório? Não...Muito longe de seu aniversário ainda. Teria comprado algo naqueles programas que passam de madrugada? Por mais que a insônia castigasse, ele lembraria do gasto. Encostou o ouvido no pacote. Nem um tic-tac. Quem lhe mandaria uma bomba? , sorriu internamente. Tornou a pensar num trote, talvez algo pulasse da caixa. Passou a mão pela face, realmente não havia como aquele pacote ter ido parar ali por engano. Foi vestir-se. Talvez o pacote não estivesse mais lá na volta. Meia-hora depois vêio do cômodo acabando de ajeitar a gravata e o pacote jazia no mesmo lugar. Que tal ir pro trabalho e esvaziar a brincadeira? Quem sabe chegando lá todos ririam ou perguntariam se não tinha recebido nada de estranho em casa...O trabalho foi o mesmo de todos os dias, a exceção de uma reunião interna e sonolenta na parte da tarde. Até esqueceu do pacote. Entrou de volta em casa cansado, nem deu por ele. Mas têve um estalo de memória e voltou para contempla-lo. Quadrado, enrolado em papel marrom, desafiador. Sentou de pijama no chão da sala e encarou-o tediosamente. "Vamos pacote, me diga algo sobre você". Ocorreu-lhe então o ridículo da situação e decidiu livrar-se dele. Joga-lo no lixo? Certamente o devolveriam pelo endereço. Sim, o endereço do destinatário! O problema era quem seria o felizardo. O porteiro? O carteiro? Lembrou de uma vizinha que o aporrinhava com um violoncelo todo sábado pela manhã. A mocinha parecia ensaiar a semana toda fora de casa, mas aos sábados, justo o dia que podia dormir até mais tarde, ela castigava o instrumento já bem cedo da manhã. Refez a etiqueta do destinatário. Perfeita. Ainda mais perfeita seria a desculpa: o pacote fora entregue errado em seu apartamento. Para completar a perversidade entregaria o extravio pessoalmente. Bateu a porta da vizinha jurando se tratar de alguma matrona (Deve ser. Carregar um trambolho daqueles pra cima e pra baixo...). Uma moça de seus vinte e poucos anos, corpinho mignon, metida numa calça de pijama e vestida numa camiseta de propaganda política atende a porta. “Bom dia, sou o vizinho aqui de baixo. Esse pacote foi entregue por engano lá em casa, acho que confundiram os andares...” “Ah, o senhor desculpa o transtorno, viu? Obrigada por entregar”.“Não por isso, imagine, eu fiquei preocupado da sua mãe... tia... avó... enfim a destinatária podia estar esperando”. “Não, sabe que eu nem estava esperando nada?” Engoliu seco. A mocréia do violoncelo só existia em sua cabeça, ora vejam só. Talvez se tivesse aberto o pacote teria uma surpresa menor. Passaram-se então três dias e no sábado, contrariando o costume, não foi acordado pelo violoncelo. Nem lembrava qual a última vez que tinha sentado na sala para ler o jornal de sábado em paz, sem aquele som escroto do arco friccionando as cordas tensas e roucas do instrumento da vizinha . Ainda pleno de satisfação pelo sagrado silêncio, deu de cara com a matéria num canto de página: “Concertista Ganha Fortuna Inusitada e Muda Para o Exterior”. (Como? Como?? Como???) . Começou a ler tudo de maneira desconexa, de trás pra frente, de cima pra baixo, do fim para o começo. Um milionário excêntrico, dado às caridades, deixou uma clausula no testamento designando que as jóias da já falecida mulher fossem entregues a esmo, afim de não gerarem celeumas entre os herdeiros. As jóias foram despachadas pelos advogados mediante um sorteio entre mais de 5.000 endereços aleatórios. “E elas estiveram no pacote sobre a mesa de centro por um dia inteiro”. A matéria dizia ainda que a concertista quase não recebe a fortuna, avaliada em mais de 10 milhões de reais, por um erro do correio. Fora salva por um bondoso vizinho, que, notando a entrega errada, levou-lhe a fortuna em mãos. Caiu de joelhos, ainda de pijama, diante da mesa de centro.

sábado, março 18, 2006

O Assustador Mar Vazio de Nada

“Sonda da Nasa flagra instante imediato após Big Bang”

Por Deborah Zabarenko

WASHINGTON (Reuters) - Uma sonda da Nasa conseguiu flagrar um instante imediatamente inferior-- menos de um trilionésimo de trilionésimo de segundo-- após o Big Bang, disseram astrônomos na quinta-feira.

O Big Bang, segundo os cientistas, foi a grande explosão de um ponto que acumulava toda a energia do universo, há 13,7 bilhões de anos, e deu origem às estrelas, planetas e demais corpos. Observando enormes distâncias, a sonda conseguiu ver com detalhes inéditos esses primeiros instantes do cosmo.

"Relatamos hoje as medidas mais precisas já feitas sobre o nosso universo quando na primeira infância", disse Charles Benett, principal pesquisador da sonda WMAP, da Nasa.

"Temos novas evidências de que o universo de repente cresceu de um tamanho submicroscópico para um astronômico, em menos de um piscar de olhos", disse o cientista em entrevista coletiva por telefone. "Esta tremenda inflação do universo aconteceu em muito menos de um trilionésimo de segundo”.

A missão WMAP-- sigla em inglês para Sonda de Anisotropia de Microondas de Wilkinson-- detectou uma luz criada no começo do universo e que viaja há 13 bilhões de anos.

Vista na forma de tênues microondas, essa luz primitiva ajudou os astrônomos a perceberem pequenas variações naquilo que Bennett descreveu como "um assustador mar vazio de nada".

Naquela época, não havia planetas, estrelas, galáxias, nada, exceto diferenças infinitesimais de temperatura.

Pode parecer pouco, mas essas minúsculas variações térmicas formaram os padrões que acabaram gerando todas as características físicas que conhecemos como matéria-- inclusive a Terra e tudo sobre ela.

Na imagem flagrada pela WMAP, o universo-bebê tem forma oval plana, com pontos frios retratados em azul e verde e os pontos quentes e vermelho e amarelo. As linhas brancas mostram a polarização-- a direção da luz mais antiga.

As observações da sonda mostram, nos termos mais básicos, o conteúdo do universo. Apenas 4 por cento é de matéria comum, 22 por cento é da chamada matéria negra-- que não é constituída por átomos, não emite nem absorve luz e só é detectável por sua gravidade--, e 74 por cento é uma misteriosa energia negra, que, segundo os cientistas, ainda provoca a expansão do universo.

"A energia negra está provocando mais um jorro de crescimento atualmente", disse Bennett. "Felizmente, é mais branda do que há 13,7 bilhões de anos."

Em 2003, os cientistas da WMAP estimaram a idade do universo em 13,7 bilhões de anos, dizendo que as primeiras estrelas começaram a brilhar 200 milhões de anos depois do Big Bang.

Novas observações confirmam a idade do universo, mas mudam a estimativa sobre as estrelas-- atualmente, os astrônomos acreditam que elas demoraram 400 milhões de anos para aparecerem.

A sonda WMAP, com aparência desajeitada e o tamanho de uma minivan, foi lançada em 2001, no Cabo Canaveral. Atualmente, está a cerca de 1,6 milhão de quilômetros da Terra, numa viagem que deve continuar até setembro de 2009.

Imagens e mais informações estão disponíveis no site http://wmap.gsfc.nasa.gov/results



Piada interna:

Eu: Max, você não vai acreditar: Eles nos acharam!
Max, balançando a cabeça em negação: Humpf...

sexta-feira, março 17, 2006

A Revoada


Lígia havia passado por três orelhões quebrados (“pra eu aprender a comprar créditos!”) e não havia conseguido avistar nem mesmo um Cosme-Damião. Imaginava que Isa devia ter bolado alguma idéia bem burra pra segurar o brutamontes dentro do Verdinho, o que só a fez gaguejar muito ao telefone quando achou um que finalmente funcionasse. Identificou-se como a secretária do marido do homicídio triplo, pediu uma rádio-patrulha e disse que havia perigo de novas vítimas, para não passar como trote. Voltou ao Verdinho a passos largos, bem a tempo de ver Jorge Lucena, óculos rayban e paletó muito bem passado, cruzar a saída. Pensou logo no pior e ao entrar no bar encontrou Isa, camiseta ensangüentada e um filete de sangue saindo do lóbulo da orelha.

“Cadê ele?!”
“Você tá sangrando!”.
“Não, é sangue da menina, a bala que matou ela só passou na minha orelha. Cadê ele, porra?!”

Jorge esperava o sinal abrir, na esquina, tal qual um gigante de mármore marrom. As duas malas pesadas pareciam carregar apenas plumas, tal era a facilidade e o pouco esforço que empregava nelas. Avistava de longe o ponto de venda de passagens. “BA-SE-AL-PE-PB-RN-CE-PI-MA-Leste do PA e Tocantins/Agora 7 dias por semana!”, anunciava um letreiro pintado a pincel atômico. Pensou no pai. A essa altura já teria avisado aos vizinhos e a parentada toda da sua chegada. Tal qual o filho pródigo da Bíblia que Padre Isidoro lia no catecismo. Achava bonita aquela estória. Não importava como ganhara aquele dinheiro, não mataria mais. Ao menos não via mais necessidade. Podia comprar um pedaço de terra bom, fazer uma irrigação, viver da roça e da feira. Chega daquele povo aprumado, falando difícil, daquela cidade que parece mais um monstrengo. Feia, cinza, fria. Lembrou do tal Jonas, o que foi engolido pela baleia, mas essa estória era a mãe quem contava.

“Só de ida pra Salgueiro, faz favor...”
“Pois não, conterrâneo! Vai pelo litoral ou prefere pegar a linha que vai pelo interior, até o Crato, via Campina Grande?”.
“Vou pelo interior mesmo (é mais discreto)”.
“Vai pagar em dinheiro ou no cheque?”

Jorge ia dizer dólar, só então se ateve ao fato de não ter trocado nada da moeda estrangeira dos assassinatos. “Vixe, amigo...Eu só tô com nota grande aqui”, tentou desenrolar. “Aceita uma parte e o resto deixo alguma coisa empenhada?” Em meio à barganha Jorge não notou a chegada de dois policiais. O balconista dá o alarme. “Valei-me, minha Santa Rita!”. Um dos policiais dá voz de prisão. Jorge não se altera.

“O senhor está detido para averiguação. Queira nos acompanhar”.
“Moço, deve estar havendo um engano. Eu estava aqui pagando uma passagem..”.
“Isso o senhor pode explicar na delegacia, junto com aquelas duas moças ali”.

Jorge avista Isa e Lígia no camburão. Isa com uma toalha encostada na orelha e Lígia ele reconhece como a secretária de Apriggio. “Olhe, seu moço, é engano. Eu nunca vi essas moças. Olhe, vou lhe dar meu cartão”. Jorge então saca a pistola, um barulho agudo espalha pânico pela calçada em frente, impedindo a aproximação do outro policial. Com um dos agentes no chão, Jorge tem tempo de pegar as malas e sair a esmo pela multidão, esbarrando o corpanzil em quem passa em sua frente. Isa desce do camburão, saí correndo pelo meio da rua, driblando a multidão. Percebe que Jorge vai perdendo velocidade. O peso das malas e os esbarrões a fazem emparelhar com o pistoleiro. Pensa na mãe, no pai, em Renato, na garota morta sobre ela no banheiro. Nem ouve Lígia chamar por ela logo atrás. Cruza um carro estacionado pulando pelo capô e agarra-se as costas de Jorge, que não tem muita dificuldade em joga-la contra a murada de um edifício de esquina. Atordoado, não vê o sinal fechado aos pedestres e é colhido por um caminhão de mudanças.

Arremessado à distância, larga as malas, que são esmagadas pelos carros que transitam. O conteúdo se transforma então em um tapete verde-cinza de Washingtons, Lincolns e Jeffersons, e logo depois em uma revoada inusitada no meio da tarde. A vista embaçada de Jorge Lucena vê a língua espraiada do dragão do devotado santo guerreiro, morta no meio do cruzamento, e logo depois a vê transformar-se numa revoada silenciosa de avoantes, que tanto o fascinava quando menino, lá no norte. Sim, ele vai para o norte. Vai encontrar a família, por as malas com dinheiro sobre a mesa do alpendre e mostrar ao velho pai. “É dólar!”.

quinta-feira, março 16, 2006

15:47

“Quanto tempo, né? Posso sentar?”. Isa escolheu seu melhor sorriso falso pra dirigir-se a Ângela. Essa caiu como um patinho e foi logo se derretendo, para desespero de Jorge, que queria ir o mais rápido possível ao ponto de venda de passagens, no meio do outro quarteirão. “Claro, linda, senta aí...Vamos por o papo em dia”

Jorge procurava não olhar direto para Isa, ficava se virando e espreitando a porta como se esperasse alguém entrar. Não queria mais travar contato com ninguém naquela cidade. Começava a se dar conta de que esperar todos esses dias, com aquele dinheiro todo e metade da policia atrás dele fora uma grande burrice. Ela não iria. Ajeitou a barriga dentro da calça.

“Seu amigo aqui não tava com você naquele dia na festa...”
“Não, ele é um...um velho amigo, não é, Jorge?

Isa sentiu uma gota de suor escorrer fria pela espinha. Era ele, não tinha dúvidas. O nome no cartão, a acareação acidental de Lígia, que aquela altura deveria estar louca ligando pra policia. Por que ele ficara todo esse tempo? Notou Jorge nervoso quando foi cruzar as pernas e bateu acidentalmente numa das malas, que nem se mexeu, parecia ter algo bem pesado dentro. (Dinheiro?).

“Esse sanduíche tá uma delicia, você não quer provar?”
“O sanduíche não, obrigada. Estava afim de dar um tirinho, você não tem um papelote pra gente cheirar uma linha ali no banheiro?”
“Não falei pra você que ela era doidinha, Jorge?”.

(Ela não vai querer ir, só tá me enrolando. Digo que vou comprar a passagem e sumo? Espero essa falastrona ir embora? Ainda tem de ir pra rodoviária...)

(Melhor não dar bandeira. Vou convidar essa zinha pra ir no banheiro e deixo a Lígia chegar com os homens. Assim não passa de coincidência eu estar por aqui.)

(Se esse Paraíba infeliz não estivesse aqui eu já estava comendo essa menina na cabine do banheiro...)

“Não tenho nenhuma, mas sabe que eu ia no banheiro mesmo assim?”.
“Te faço companhia”.

Os olhos de Jorge de repente parecem faróis acessos. Puxa uma mala para perto da outra enquanto as duas mulheres levantam para ir ao banheiro, abraçadas pela cintura. Ajeita a toalha da mesa com uma ponta mais perto do chão para encobrir as malas e espera a porta vai-e-vem do banheiro parar. Precisa ter certeza que mais ninguém vai entrar, nem que ele vai ser visto entrando. Ainda usando a ponta maior da toalha de mesa desafoga a pistola do coldre, enrosca o silenciador e deixa a arma desengatilhada. (Dois, três, cinco... Que diferença faz? Ela não ia mesmo comigo. Agora a drogadinha vai morrer de graça, senão perco a hora de comprar as passagens). Levanta calmamente, passa a mão pela cabeça (não posso chegar na casa de pai com um cabelo xinfrim desses...Em alguma parada no meio da estrada há de ter um barbeiro).

O banheiro do Verdinho tem três cabines individuais e apenas uma esta semi-fechada. Risos, uma respiração ofegante (Fazer essas imundices num banheiro), um cheiro de detergente vagabundo com aroma de pinho no ar. Empurra a porta da cabine devagar. Isa está sentada no vaso, Ângela sentada em seu colo, a roupa de costas nuas lhe cai pela cintura, mostrando a grande carpa japonesa (“É pra chamar dinheiro, gatão”). Daquela distância, tudo que precisaria era de um único disparo. Uma bala só pras duas, assim pouparia tempo e seria mais discreto (“Discrição é o meu lema, doutor!”). Mira o olho da carpa e prevê que um tiro, entrando pelas costas, mesmo desviando em alguma costela ou perdendo impacto com alguns orgãos que serão dilacerados pelo caminho, fatalmente atravessará o corpo e acertará a segunda pessoa um pouco abaixo do externo, na altura da aorta. Sem trocar o fôlego puxa o gatilho. Ângela cai pesadamente sobre Isa, que não faz barulho algum.

O relógio de parede com escudo do Palmeiras marca 15:47. Agora as passagens.

quarta-feira, março 15, 2006

O Pavio da Dinamite Incendiária

Fui ontem ver a "aula-show" do Lirinha, vocalista do Cordel do Fogo Encantado. De aula nada, mas show é com ele mesmo. O sujeito tem uma bagagem cultural de dar inveja a muito velhote amacacado sustentador de violeiro de praia. Falou de seus mestres, recitou versos dificeis e gigantescos, matou minha curiosidade em desvendar que existe mesmo um longo fio dionisíaco unindo Rimbaud-Morrison-Lirinha, e também discorreu sobre produção e politica cultural.

Entretenenimentos a parte, fica bem claro que ainda existe guerrilha cultural nesse país. Os nanicos ainda vivem nos independentes, nos que vendem seu talento ao sistema para continuar chutando a canela do próprio, mesmo pagando o preço por dizer que não concordam com a curralização da cultura, com a elitização do popular, com a transformação do impirico em Tamagoshi.

A aula-show faz parte de um projeto da CHESF sobre a cultura pernambucana. Soa até meio pedante, mas a grande verdade é que não existe nenhum outro estado no nordeste (quiçá no Brasil) com indices de auto-estima maiores que PE. Lá, adolescentes com camisetas do Dimmu Borgir são vistos sem estranheza em shows de gente como Nação Zumbi ou Comadre Florzinha. Existem N opções de tribos, e não se escolhe apenas uma, por um único motivo: todas são locais e quanto mais você prestigia todas, mais você fortalece a cultura do estado e mais você enfatiza que é feliz ali onde vive.

Enquanto isso, nós lutamos para nos livrarmos do "Complexo de Coitadinho", do "você-nem-parece-que-é-do-Piauí". Começamos exportando fotografos, arquitetos, cenógrafos, engenheiros, cientistas, advogados, passamos a exportar poetas, músicos, atores, iluminadores, bandas inteiras. E nada. Fomos e nos acomodamos a sermos vistos como os caçulas da aridez cultural. Existem os oprimidos e os excluídos. Nós somos os omitidos. Viemos, vimos e voltamos de mãos abanando.

Quem poderia estar muito bem ajudando a reverter esse quadro, o estado (que agora é mais estado do que nunca), nem sequer paga o mantenedor do site do seu maior teatro. Manda passar uma enorme porta de ferro para afugentar cobradores e faz uma feira em SP onde os bacanas vão de avião,enquanto os artistas, a atração maior da feira, vão de pau-de-arara exclusivo. Sim, existem também aqueles que encontraram seu nincho, seu lugar na sombra, os que vão preguiçosamente dormindo sob a estrela Antares costurada na bandeira...

Um dia nós vamos ter cultura. Vamos ter alguém entrando numa loja de CDs e preferindo levar Narguilé ao Rappa, Megahertz ao Metallica, Teófilo ao Lenine. Todos os palcos que existem nas praças dos maiores conjuntos habitacionais da cidade (e que, ironicamente, foram construidos para servirem aos politicos, não aos artistas)vão ter bumba-meu-boi, reisado, mamulengos e artistas iniciantes. E tem de ser de graça! Governo tem obrigação dar cultura pro povo, não dá porque sabe que cultura LIBERTA, e gente livre vota em quem quiser, não em quem mandar.

E tudo isso não vai ser nem um pingo ufanista. Vai ser a mais bela vergonha na cara.

segunda-feira, março 13, 2006

Dentro do Verdinho


“Você ainda toma esses negócios?”. Lígia apanha a caixa de comprimidos onde está escrito “Rivotril”. “Quando te conheci você tomava bala, mas já gostava de andar nesses ambientezinhos”. O bar conhecido por “Verdinho” era administrado por um palmeirense fanático e era o tipo do lugar onde se vai se não se deseja ser encontrado ou visto na companhia de alguém. Até por isso virou um discreto ponto de encontro de pessoas atrás de sexo e drogas.

“Você queria ser vista comigo num restaurante sofisticado, por acaso?”, responde Isabela engolindo o pequeno comprimido laranja com um gole de chopp. “E o cartão?”

“Você não ligou do seu celular? Seu ID é suprimido.”
“Uma vez estava fora de área, noutra não atendeu”
“O sujeito deve ser desconfiado, ou essa altura está longe. Eu estaria.”

Não tão longe, próximo a entrada do banheiro feminino, Jorge e Ângela eram servidos do tradicional sanduíche de pernil de porco, carro-chefe do cardápio da casa. Ângela sentia a fome do exército da Rússia. Jorge olhava apático para a iguaria, não tinha ido ali pra comer.

“Eu fiz um dinheiro bom, nêga. Vamo comigo pro norte?”
Ângela por pouco não engasga. “Eu? Ir pro norte com você? Você deve estar maluco. Aqui eu sou puta, mas ao menos eu não tenho cafetão nem homem nenhum mandando em mim”
“Olhe...Eu não posso mais ficar muito tempo aqui. Já devia ter ido embora há uma semana”
“Problema seu, gatão...Aí que fome”

Por cima do ombro de Jorge, Ângela avista Isabela. Trava um risinho e continua a comer, jogando olhares em direção a mesa do lado oposto. Jorge percebe. “Tu tá rindo de que, hein?” “Aquela menina do cabelo castanho...Fiz um programa com ela uma vez, numa festa grã-fina. Eu tava com um figurão chato, encontrei ela por lá, acabamos indo embora juntas. Maluquinha ela.”

Jorge se vira para olhar ao mesmo tempo em que Lígia levanta a vista. Numa fração de segundo a secretaria reconhece o pistoleiro, mas este se volta rapidamente para a posição anterior.

“Ai meu Deus...Isa...é ele!”
“Ahn?”
“O sujeito, lá perto do banheiro, de costas pra cá”
“Tá me tirando”
“Te juro. Vamo embora, a gente liga pra Policia”
“Cadê ele?”

Isabela corre os olhos pelo interior do bar e para ao perceber um aceno discreto de Ângela. O rosto não lhe é estranho. Não consegue juntar o nome com a pessoa. Ao perceber uma enorme tatuagem de uma carpa japonesa que salta do decote das costas de Ângela, Isabela lembra da festa de um dos diretores do holding do pai. Estava meio bêbada, tinha tomado hipofagins para aplacar a fissura das balas. Tinha arriscado puxar uma conversa sobre tatuagens com a menina e acabaram sumindo da festa. Ficou na dúvida se era prostituta, mas nem perguntou nem Ângela se pronunciou.

“Conheço aquela mulher...”
“Você é de morte...”
“Sério. Catei ela numa festa. Será que ela tem rolo com ele?”
“Nem quero saber. Mas a policia quer muito. Vamos embora ligar”
“Você vai. Eu vou lá como quem não quer nada. Ele tem de estar aqui quando a policia chegar”
“Tá maluca?”
“Além do mais, ele te viu no escritório. Sorte ele não ter te reconhecido. Vai, corre, liga lá que eu vou lá puxar papo”

Lígia solta o cabelo tentando sair o mais discretamente possível do bar. Isabela se arma de seu sorriso mais cínico e ruma em direção à mesa próxima ao banheiro.

sábado, março 11, 2006

Stand By


Bom, um guerreiro Jedi não pode ficar na mão se seu sabre de luz acabar a bateria, né?

Tá...Podem me xingar de doente, mas eu juro que houve necessidade dessa vez.

E marquem shows, porque eu vou precisar pagar essa belezinha aí.

sexta-feira, março 10, 2006

Ladainha


Eu entendo:

Pessoas que somem sem deixar vestígios.

Pessoas que quebram quartos de hotel.

Pessoas que tem mania de perfeição.

Pessoas que falam sozinhas.

Pessoas que ficam em casa sábado à noite esperando o telefone tocar.

Pessoas que se sentem mal por não ter como ajudar alguém e ficam profundamente transtornadas por causa disso.

Pessoas que não entram no mar nem por dinheiro nenhum.

Pessoas que dormem de conchinha com o travesseiro.

Pessoas que tem pena da pequeneza de algumas almas pequenas.

Pessoas que perdoam grandes cagadas, mas ficam magoadas com pequenos deslizes.

Pessoas que se perguntam “em que mundo fulano vive?”, diante de demonstrações extremas de vaidade, orgulho, arrogância e egoísmo.

Pessoas que não tem tudo que amam, mas amam tudo que tem.

quinta-feira, março 09, 2006

O Sonho


Acordara com um facho de luz amarela e incandescente entrando por um furo no teto do barracão. Amarela da cor das picadas das vespas que levara quando tinha seis anos de idade, ainda no norte. A mãe a catar-lhe os ferrões, o pai zunindo o cipó de aroeira, a febre, o castigo diante dos irmãos, olhos grandes, barrigas grandes de verme, o pavor nas bocas abertas, iguais as de Renato. O suor descendo pela espinha. Anos depois compreendeu que, como filho mais velho, tinha de servir de exemplo aos irmãos, e perdoou o velho pai; até sentiu uma gratidão pela surra, como um ato de carinho e de disciplina. A mala. Tateou o lado da cama e tocou a alça da valise de couro, escura e pesada. Dólares. Apertou mais ainda os olhos, tentando escapar da luz que agora parecia passear em direção a sua boca.Dedos amarelos de nicotina na mão de Apriggio, o cabelo amarelo de Laura. De repente tudo sumia numa mancha de vermelho. Sangue. E o vermelho desmanchava o amarelo, deixava tudo da cor de fogo. São João no Norte. Sim, era quase São João lá, época boa de visitar os seus. Tinha como ajudar todos agora, tinha dinheiro. Dólar. Um plano de saúde para o velho pai. Um dinheiro pros sobrinhos estudarem. Uma ajuda pras casas dos irmãos. Sim, daria pra todos. A outra mala. Tateou o outro lado da cama. Alcançou a outra alça. Ficou estatelado sobre a cama. Os braços abertos, uma mão em cada alça, um sorriso bobo nos lábios grossos. Foi voltando dos sonhos como que puxado por uma corda. Não havia vespas, nem fogo, nem febre, nem castigo. Sim, voltaria pro norte, ajudaria a família. E levaria Ângela com ele. Mas nem sabia onde acha-la. A única coisa que ainda o prendia ali, com aquela dinheirama, toda era a dançarina. Procurara pelo centro todo, todas as boates e nada. Não podia deixar mais o cartão, o triplo assassinato não saia dos jornais. Era um risco ainda maior que a burrice ainda estar ali. Mas não podia deixar Ângela pra trás. O celular toca.

“Gatão? Andou me procurando, é ?”.
“Nêga? Onde tu se meteu, diabo da peste? Virei as boate tudo te procurando!”

Ângela deu uma gargalhada rasgada, longa, profunda, como que guardada pra quando a peça fosse descoberta. Contou, ainda ofegante: “Não procurou pelo nome certo, Gatão! Mas eu te achei, danadinho. O que você quer de mim? Tô com horário apertado hoje, vou logo avisando...”

“Só conversar. Quero te fazer uma proposta”.
“Ih... mas que mané proposta?! Tá pensando que me come de novo sem pagar? Vá tirando seu cavalinho da chuva!”
“É só conversar mesmo. É coisa boa, minha nêga”

Sabia que Jorge, apesar de falar pouco sobre o que fazia, e do jeito grandalhão, era um sujeito de confiança. Mandou-lhe anotar o endereço.

Banhou pra se livrar dos restos do sonho. Voltou da porta pra apanhar uma guia na imagem de São Jorge instalada num criado-mudo. Despediu-se do santo. Não pretendia mais voltar ao barracão.

terça-feira, março 07, 2006

13


Domingo era nosso dia preferido. Eu acordava cedo e você me mandava tomar café pra irmos sair. Cruzar o centro a pé, descer pela encosta dos trilhos e alcançar o mercado do Mafuá, depois passar pelas casas humildes e sonolentas da Augusto Ferro, o campinho da igreja da Vila, a padaria, e finalmente sair na Santos Dumont, naquele quarteirão que hoje nem é mais tão grande assim. As pessoas diziam que eu era pequeno demais pra caminhar tanto, aí você me perguntava se eu estava cansado Nem se eu estivesse eu diria. A noite você tinha de viajar e pra me consolar me comprava um gibi. Muitos anos depois, você me acordou sem querer num domingo pela manhã e disse que ia ali. Ontem fez treze anos que você nunca voltou.

Ao longo da vida me deparei com muitas situações onde tudo que eu quis foi levar uma clássica bronca sua. Perdi, perco e provavelmente perderei várias coisas e pessoas ao longo dessa estrada, mas diariamente nada nem ninguém me faz tanta falta quanto você. Tenho de confessar aqui duas coisas (e isso está me custando demais confessar). Ainda sonho com você, voltando e indo embora de casa, triste e calado e eu confuso sem saber o porquê. E ainda sonho mais: por muitas vezes estive num palco e tive a certeza que você ia chegar lá no gargarejo, com uma latinha de cerveja na mão, camisa meio aberta, a testa vermelha e ia ficar tirando onda da molecada se quebrando toda.

De consolo eu só tenho memórias e a sensação de me pegar cada dia mais parecido com você, nas manias, nos trejeitos e nesses óculos ridículos que agora eu tenho de usar. É o melhor jeito que encontro pra dizer que continuo te amando e sendo seu fã.

Miss you much, dude.

Sobe & Desce


Há oito anos atrás eu saí de uma casa e vim morar num edifício. Várias pessoas dão testemunhos de como não se adaptam ou nunca se adaptariam em morar num prédio. Pra mim, sinceramente, tanto faz; meu negócio é estar morando. Os mesmos hábitos que eu tinha morando numa casa foram mantidos quando me mudei, o mais sagrado deles: não gosto de papo com vizinho.

Calma, me entendam. Eu não hostilizo a vizinhança. Apenas gosto de passar pra dentro de casa e não ter de dar satisfação do que faço lá dentro, muito menos de ter de compartilhar da privacidade de quem está em cima, ao lado ou abaixo de mim. Resumindo, em oito anos, entrei em dois apartamentos de outras pessoas no meu edifício. Um o da minha vizinha, pois cheguei de viagem sem a chave de casa e estavam todos com porta trancada e não ouviam a campainha (assim mesmo entrei nos domínios alheios pela porta de serviço). Na outra fui praticamente abduzido por um conhecido a ver seu apartamento (e mesmo assim não passei do meio da sala). Aliás, minto: Eu já estive no apartamento do XSony também, por motivos “profissionais”.

O que realmente pega é o elevador. O elevador seria assim um instrumento de socialização. Um instrumento pontiagudo e perfurante, apontado bem pro seu gogó. Não basta só dar um “bom dia” ou “boa tarde” ou “boa noite”, logo em seguida vem os segundos, às vezes minutos, de constrangimento e intimidade forçada. Já reparei que uns preferem olhar pro chão, outros pro numerozinho crescente ou decrescente, há quem tente quebrar o gelo e puxar um papo rápido, mas nada muito construtivo. Sexo em elevador?! Vocês andam vendo filme demais...

Assim, subindo e descendo, me permiti conviver com meus vizinhos nesses anos: o poeta que desce na cadeira de rodas pra tomar sol, a família que morreu quase toda num acidente de carro, as mães que saem sempre apressadas pra deixar seus filhos na escola, alguns deles já nascidos aqui depois que cheguei, logo ainda os conheço pelo nome. Sou cruel nesse quesito. Se a criança entra no elevador, começo a conversar com ela ignorando o adulto que está junto, este, inevitavelmente, começa a responder o que eu pergunto a criança como se fosse ela. Muito divertido, edificante até, com perdão do trocadilho.

Assim é a vida num condomínio. Pra quem está de fora pode parecer natural que porque moramos uns em cima dos outros (ou ao lado), tenhamos nossas vidas mais atreladas. Mas é justamente o contrário. Nem reunião de condomínio é prestigiada, imagine. A expressão “Área Comum” é até pomposa, mas não passa do lugar onde esperamos, em pé, em frente ao elevador, xingando quem está segurando a porta em outro andar.

sábado, março 04, 2006

Lugar Comum


Passados seis dias das mortes em seqüência de Apriggio e Laura, Lígia, secretária de Apriggio, recebe uma mensagem pelo celular. “Lugar comum, o mais breve”. O número estava suprimido, mas a mensagem era quase uma senha. Isabela, filha do casal morto queria vê-la no pequeno apartamento que mantinha longe da vista dos pais e dos amigos. Um lugar que comprará quando ela e Lígia pensaram em ir morar juntas.

Lígia ainda nem tinha voltado ao escritório após achar Apriggio morto no final do expediente. Antes que pudesse pensar em como encarar Isabela no velório, chegou a segunda notícia, a da morte de Laura. Controlou-se muito para não exteriorizar todo nojo de saber que Renato também havia sido morto e pelas circunstâncias enquanto mantinha um caso com a esposa de seu patrão. Não bastasse ele ter sido o pivô de sua separação de Isabela, agora ele aparecia como amante de sua mãe.

Ainda tinha as chaves do apartamento. Girou a maçaneta levemente e a luz que entrava pela varanda em frente denunciou um clima péssimo. Isabela, deitada em divã no meio da sala, uma garrafa de gim pela metade, um incenso de sândalo e uma versão quase natalina de “Suspicious Minds” saindo pelas caixinhas de som espalhadas pela sala (foi idéia sua colocar as caixinhas. “Nossa caixa de música”). Largou a bolsa e as chaves na mesinha de centro.

“Desculpa a demora, fiquei em dúvida se vinha de carro ou metrô”

Isabela engoliu o choro, também estava sentindo o caos lhe tragar pelas pernas. As mortes brutais dos pais, do ex-namorado, sua ex-namorada acha o pai morto. O velório, o enterro. Tudo ia e voltava numa reprise sem fim. “Eu achei que você ia ao menos falar comigo no enterro...”. Lígia respirou fundo, tentou manter a imagem de frieza.

“Olha, eu passei poucas e boas, tem idéia de quantos depoimentos eu dei a policia? Eu achei seu pai morto. Eu era secretária dele. Tive de entregar papéis, agenda, repassar pra eles ao menos os seis últimos meses de visitas e reuniões dele..”

“Eu sei.”

Ajoelhou-se perto do divã. Apanhou a garrafa de gim e deu um gole. “Diz o que você quer de mim. Por que me chamou aqui?”

“Precisava ver alguém, te ver...Sei lá. Meu irmão anda preocupado com a re-abertura do escritório, com a continuação dos negócios. Não quer saber o que eu to sentindo”

“Você têm notícias do que aconteceu com o corpo do Renato?”

Isabela fungou. “Despacharam pro interior, lá pra cidade dele.”

Ficaram em silêncio por um bom tempo. Lígia aperta o tornozelo de Isabela e assim chama sua atenção. “Olha...Eu te perdôo. Você sofria pressões familiares, não podia expor a nossa relação...”

“Foda-se!. Você está feliz do Renato ter aparecido morto nessa confusão toda. Tinha raiva dele.”

“Só acho isso tudo uma grande cilada do destino. Você, apesar dos pesares, não merecia passar isso.”

Isabela toma a garrafa de Gim e dá um gole demorado. Apoiada nos cotovelos olha fixamente para Lígia. “O que você sabe de tudo isso”

“Vá com calma! Já disse tudo que sabia pra polícia”. Lígia, como secretária, era um cão de guarda. Se alguém tinha ido até lá executar Apriggio, por mais profissional que fosse, não passaria despercebido a ela. “Bom... Quase tudo. Nessa confusão toda eu não repassei justamente o último compromisso daquela tarde. Um tal Jorge, um sujeito grande, com sotaque de nordestino, se dizendo de uma prestadora de serviços”

“Prestadora de serviços?”.

“Sim”

Isabela levanta cambaleando, vai até o quarto e volta com uma bolsa de griffe, começa a esvazia-la no chão. Com as mãos em movimentos circulares cata papéis, mas sabe o que procura. Um cartão.

“Jorge Lucena”.
Serviços Particulares “.

Abaixo, um número de celular. Atrás, de caneta, com a letra que ela reconhecia como a da mãe, “15h – US$”.

sexta-feira, março 03, 2006

Sapato Novo


(...) – bem, como vai você? levo assim, calado
de lado do que sonhei um dia
como se a alegria recolhesse a mão
pra não me alcançar
poderia até pensar que foi tudo sonho
ponho meu sapato novo e vou passear
sozinho, como der, eu vou até a beira
besteira qualquer nem choro mais
só levo a saudade morena
e é tudo que vale a pena