Terehell

sábado, fevereiro 28, 2009

Arroz de festa 4/5

Depois de pegar uma carreira dos “ferrabrás”, Caetano Veloso foi parar em Londres. Deixou um disco com as bases e vocais gravados pra uma banda montada às pressas concluir posteriormente (O “álbum branco” de 69), e continuou a produzir na terra da Rainha Elizabeth (O disco de 71, onde ele aparece barbado e usando um casaco de pele de carneiro na capa). Já adaptado a vida no exílio, e desencanado após uma viagem ao Brasil para as bodas de seus pais, voltou à Londres trazendo à tiracolo Jards Macalé e uma banda de músicos brasileiros (O futuro ministro Gil, mais afeito a ser cosmopolita, tinha uma banda de músicos europeus e brasileiros nessa época). Macalé, que havia apenas tangenciado o Tropicalismo, assumiu a direção artística e Caetano soltou um disco bilíngüe e de canções bilíngües, tentando passar um pouco a confusão interior da mudança radical de vida. “Transa” abre com “You Don’t Know Me”, onde, enquanto em inglês, conta passagens de puro anonimato em Londres, e nas passagens em português exuma Carlinhos Lira, Luiz Gonzaga e sua própria “Saudosismo”, na voz de Gal Costa. A tristeza se estampa em “Nine Out Of Ten”, e num momento de saudade diz estar “descendo a Portobello Road/ao som do Reggae/Eu estou vivo”, citando o ritmo jamaicano na musica popular brasileira pela primeira vez, pra depois emendar: “nove entre dez estrelas de cinema/ me fazem chorar”. Da viagem ao Brasil e de Santo Amaro, Caetano trouxe canções de capoeira, exaltando mestre Pastinha, difusor da dança africana fora da Bahia, o samba-de-roda do Recôncavo, cantado pelas baianas enquanto raspam uma colher no fundo de um prato, e trechos do poeta barroco Gregório de Mattos Guerra na apoteótica “Triste Bahia”. O “banzo” continua se fazendo presente em “It’s a Long Way”, onde “A Long And Winding Road”, dos Beatles e “Consolação” de Vinicius de Moraes e Baden Powell são fundidas em meio a refrões de domínio público da cultura popular nordestina. Homenageando sua irmã Bethânia, tira do fundo do baú e torna definitiva sua versão de “Mora Na Filosofia”, de Monsueto Menezes, compositor várias vezes resgatado por ela no inicio de sua carreira. Batidas de jogo de ping-pong marcam “Neolithic Man”, uma referência clara ao também baiano João Gilberto, apreciador de tênis de mesa. O disco fecha com “Nostalgia”, uma quase-vinheta, onde um violão emula uma base de R’n’B, enquanto monocordicamente Caetano repete “That’s What Rock and Roll is All About”. Ainda nesse ano Caetano voltaria definitivamente ao Brasil, e trataria logo de pôr os pingos nos 'is' em relação ao tropicalismo: Não havia voltado pra continuar aquilo que já estava acabado. Como pedra tumular, faria o experimental “Araçá Azul”, onde rasgaria a colcha de retalhos tropicalista em mil pedaços, voltando a Monsueto e ao folclore baiano, para dali em diante ser apenas esse Caetano que nos conhecemos hoje.

Caetano Veloso – “Transa” – 1972

(Publicado em 01/02/2004 em http://www.fotolog.com/terehell

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Arroz de Festa 3/5

Este fantasminha (que nem tenho bem certeza se já saiu aqui) voltou a rondar meu som nos últimos dias. Pra muitos fãs do Led é um CD famigerado, mas ele tem lá suas razões pra ser assim. Senta que lá vem estória: Ao ser recrutado pra ser cantor do Zeppelin, Robert Plant não botou muita fé num trabalho ao lado de Jimmy Page, o achava um músico muito sofisticado, técnico, e, até certo ponto, pedante. Page convidou-o então para ir visita-lo num barco no qual morava, ancorado às margens do rio Tâmisa. Plant só passou a vislumbrar um futuro profissional ao lado do guitarrista quando deu de cara com montanhas de discos não só de Country Blues, R’n’B e Rock americanos, mas também da nata do Folk e da Soul Music produzida na terra do Tio Sam. Partiu daí um desejo de explorar arranjos acústicos, que não se consolidou de cara com o primeiro disco (68) por necessidades mercadológicas, nem no segundo (também de 68) devido a pressa na gravação entre as turnês. ‘III’ têve tempo e espaço para ser ‘gestado’, numa casa de campo de Page, Bron-Y-Aur, durante 69 e 70. O lado A até que envereda por caminho pesados, em ‘Immigrant Song’, Celebration Day’, ‘Out In The Tiles’ e na eletrificação máxima do blues de ‘Since I’ve Been Loving You’; mas já está lá ‘Friends’, logo na segunda faixa, um legítimo folk inglês onde Page usa pela primeira vez arranjos orquestrados tocados por músicos do Oriente Médio. Virando a bolacha a atmosfera acústica não deixa espaço pra mais nada: A banda revisita temas populares, como ‘Gallows Pole’ e ‘Hats Off To (Roy) Harper' (fazendo uma brincadeira/homenagem no título a um artista folk muito querido na cena inglesa da época e que atravessava problemas na carreira e na vida pessoal por abuso de drogas), usa e abusa dos talentos de arranjador de John Paul Jones em ‘That’s The Way’ e não deixa de aplicar uma balada acústica em ‘Tangerine’. Bonzo também não foi desperdiçado, como haveria de se pensar, seus grooves, pesados como uma avalanche, se fazem presentes, mesmo quando este encara apenas uma ‘simples’ percussão. ‘III’ foi na verdade um laboratório para o próximo passo da banda, que seria criar arranjos mesclando passagens acústicas e eletricas. ‘Starway to Heaven’ e ‘Kashmir’ não existiriam sem ‘III’, e faixas acústicas passaram a ser constantes não só em todos os álbuns seguintes do Zeppelin até o final de sua carreira em 1980, mas também em discos como “No Quarter - Page & Plant Unledded”, de 1994.

Led Zeppelin - " III " - 1970

(Publicado em 17/09/2005 em http://www.fotolog.com/terehell)

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Arroz de Festa 2/5

Joãozinho já morava há algum tempo nos EUA, afeiçoara-se ao país desde o mitológico concerto do Carnnegie Hall. Já era passado sua saída de Juazeiro, sua passagem por Salvador, a ida para o rádio no Rio, a temporada passada em Minas com a irmã, onde trancara-se num quarto e inventara uma batida nova pros sambas de sua infância. Já fazia um tempo também da sua volta ao Rio, do espanto do vocal pseudo-desafinado, da batida poderosa, da revolução na música popular. Joãozinho estava tranquilo de volta aos EUA, depois de uma temporada morando em Acapulco, no México, com Miúcha e Bebel. Então Joãozinho foi convidado pra emprestar seu violão e sua voz à orquestra de Claus Ogerman, maestro experiente na feitura de trilhas sonoras para cinema. Cometeu-se então esse disco, amado pelos seguidores incondicionais de Joãozinho, odiado pelos puristas, que só conseguem vê-lo como um caça-níqueis de luxo. Joãozinho achou tudo maravilhoso: resgatou temas dos irmãos Gershwin, dos antigos musicais da Metro( "`S Wonderful"), reviveu seu tempo de crooner de orquestra ("Besame Mucho","Estate"), reafirmou amizades ("Wave", "Caminhos Cruzados" e "Triste", do amigo Tom, do tempo do Beco das Garrafas) e estreitou laços familiares ("Retrato em Branco e Preto", do cunhado Chico Buarque). Enquanto os guardiões de sua música se esbofeteavam em seu torrão natal, Joãzinho ria marotamente no encarte. Depois disso Joãozinho guardaria seu violão por mais um bom tempo até voltar a burilar nos seus sambinhas, assim como Caymmi lhe ensinou.


João Gilberto - "Amoroso" - 1977

(Postado em 05/05/05 em http://www.fotolog.com/terehell)

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Arroz de Festa 1/5

Até a metade dos anos 60, os Beach Boys eram um grupo que fazia um sucesso relativo reciclando riffs de guitarra de Chuck Berry e mesclando com vocalises do melhor da música negra americana. Seu baixista e principal compositor, Brian Wilson, era exímio em escrever canções pueris sobre motos, garotas, turma da praia e carrões. Mas ao travar contato com o material dos Beatles, Brian começou a mudar seus critérios não só de composição, mas também de mercado. Ao ouvir uma cópia de “Rubber Soul” dos Beatles, Brian enxergou o fim da era dos compactos. Não haveria mais os “One-Hit-Wonders”, todos os LPs deveriam ser uma coleção de hits, e assim começou a gestação de “Pet Sounds”. O primeiro passo de Brian foi desligar-se das turnês da banda para dedicar-se 100% a feitura do disco, no papel de produtor. Em seguida, isolou-se no estúdio para criar o que foi definido por ele como “sinfonias adolescentes para Deus”: num trabalho beirando a obsessão, Brian Wilson criou uma obra de extrema beleza e sonoridade arrojadas, mesmo para os padrões quadrifônicos dos estúdios da época. As letras de “Pet Sound” já delineiam um problema que acompanharia Brian nos anos seguintes: uma depressão agravada pelo consumo de álcool e drogas. A perda da inocência (“Caroline No”), incompreensão (“I Just Wasn’t Made For This Times”), espiritualidade (“God Only Knows”), fuga (“Let’s Go Away For A While”), procura de auto-confiança (“That’s Not Me”) e do amor perfeito (“Wouldn’t It Be Nice”, “Don’t Talk Put Your Head On My Shoulder”), além de novas roupagens para arranjos tradicionais (“Sloop John B”) dividem espaço com orquestrações climáticas, harmonias vocais sofisticadas, instrumentos barrocos, oboés, tubas fazendo as partes do contrabaixo, theremin (instrumento de origem russa que mexe com as modulações do som, um vovô do controle de “pitch”, enfim, deve haver um fotolog sobre essa coisa em algum lugar ), latas de Coca-Cola e uivos de cães. O resultado final foi uma coisa que pegou os fãs dos Beach Boys de surpresa, e o disco encalhou. As experimentações e os problemas mentais de Brian seguiriam pelo disco seguinte, “Smiley Smiley” (uma versão mais “comercial” do abortado “Smile”, pirateadissimo nos anos seguintes), que trazia “Good Vibrations”, novamente com a sonoridade abusando dos recursos tecnológicos da época. Deprimido pela incompreensão do grande público, Brian já estava muito fora de si quando os Beatles começaram declarar que “Sgt. Peppers” era uma resposta a "Pet Sounds" e Paul MacCartney alegar que “God Only Knows” era a música pop mais perfeita já escrita até ali. Depois de anos praticamente como um zumbi, sendo explorado por empresários e gurus picaretas, além de brigas familiares na justiça, Brian Wilson recriou as canções de ”Pet Sounds” em um disco ao vivo em 2002 e pode ter o prazer de ver Sean Lennon tocando “Don’t Talk (Put Your Head On My Shoulder)” em seus shows, ao invés de tocar qualquer outra coisa dos Beatles ou de John Lennon. (The Beach Boys – “Pet Sounds” – 1966)

(Postado em 27/01/2004 em http://www.fotolog.com/terehell)

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Folia em Vórtex

Bom voltar a ouvir essas coisas de quando em vez.
Faz valer aquele ditado "quem puxa aos seus não nega".
100% roots, e as letras do Gerbase sempre muito filosóficas...

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Impressionismo Abstrato Contagiante

Sempre gostei de acreditar que as artes em geral se influenciam, infinitamente. Conheci Jackson Pollock pela capa do primeiro disco dos Stone Roses,de 89, que estampa uma tela do guitarrista deles, John Squire, descaradamente "baseada" no Pollock. Muitas críticas do disco (LP ainda) atentavam pra esse fato.

Em 2000 saiu o filme do Ed Harris, "Pollock", que virou predileto da casa. Uma identificação profunda com as propostas do cara: ser uma alma perturbada, e transformar toda angústia dessa situação em arte, original e sem rótulos; tudo feito de um jeito próprio, novo e nada convencional, como respingar a tinta ao invés de aplica-la com pincel; pintar sobre o quadro, com a tela na horizontal, sem cavalete.

E pra selar essa admiração, eu descubro que um dos discos que mais mexeram comigo ultimamente, "Free Jazz - A Coletive Improvisation", do Ornette Coleman Quartet (60) trás a reprodução de um Pollock na contracapa, reforçando a idéia de que o som ali também tinha urgência de ser novo e inclassificável.

Definitivamente, não existem coincidências.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Sem Essa, Aranha!

Mutirão, Stephany, crise de consciência de classe média falida e (mais) uma semana perdida.

"I heard the news today, oh boy..."


Alguém me sacode quando for segunda-feira, ok?


P.S: E nem rolou o carnaval ainda!

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Ilha das Flores

Por muito tempo eu fui ávido consumidor de filmes nacionais, mesmo antes do revival do "Terra Estrangeira", e etc. Sempre via uma coletânea, ainda em VHS, que tinha esse curta, sempre lia boas críticas e elogios rasgados mas nunca me instiguei a vê-lo. Até que o vi na faixa de curtas do Canal Brasil (Sky 66) e fiquei de queixo caído, achei realmente genial, um soco no estômago. Pra vocês verem na sexta e meditarem (ou digerirem) ao longo do fim-de-semana:



Ilha das Flores
Documentário
Diretor Jorge Furtado
1989
13 min
Colorido
35mm
Brasil

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Lux Interior *1946/+2009


Lux Interior já bebia goró com chulé e inutilizava microfones em 1982 naquele vídeo dos Cramps gravado em tosquissimo Super-8 dentro da prisão para psicóticos de Napa State, na Califórnia. Lembro do trecho do "Barulho", de André Barcinski, contando com riqueza de detalhes todas as bizarrices que rolavam nos shows dos Cramps, Lux Interior e Poison Ivy, um casal que o acaso juntou numa carona e colou com filmes B, lados B e mais tudo que fosse o avesso do mundo real e normal que nos rodeia. Um mundo onde a diversão, a festa e sobretudo o Rock'n'Roll não param nunca, nem mesmo com a partida de Lux. Se hoje eu tenho um disco dos Sonics, que eram feios, sujos e malvados na América embriagada no lança-perfume de Beatles e pop inglês, devo aos Cramps. Fica na mente aquela sequência de fotos de Barcinski, Lux tomando um banho de vinho barato, de salto alto, calça colada, destroçando um pedestal girafa de microfone, dos inúmeros que ele sacrificou em nome da cartase.

domingo, fevereiro 01, 2009

Raios Duplos, Mutley!

Em uma palavra: f%deu!