Tá Lá?!
É sempre no mesmo horário, eu e Morfeu estamos naquele entendimento após um almoço já pra lá de passado da hora, quando o telefone toca. A voz semi-robótica com sotaque carioca ou paulista pergunta não por mim, mas pelo meu nome inteiro, minha pessoa fiscal. Ó céus! O telemarketing de novo! Quando eu tinha dez anos queria ser adulto, porque os adultos eram fodões, mas se eu imaginasse que a vida adulta, além de independência financeira, também trás urubuzagens como o telemarketing eu teria aderiado ao complexo de Peter Pan. É um exército, um ataque sempre em bloco. “Estamos ligando...”, “Estamos lhe oferecendo...”, “Estamos lhe informando...”. Me imagino andando por uma rua vazia e de repente aparece um camburão tipo SWAT, com dezenas de operadores de telemarketing, todos de bluetooth, jaquetas bordadas com G (de “gerundismo") e eles começam a me perseguir no intuito de me empurrar garganta abaixo alguma coisa que eu não preciso. Já tentei, juro, me sair disso de várias maneiras, driblei o constrangimento que muitas vezes faz você aceitar o que eles estão te oferecendo na vã esperança de que a ligação se encerre, mas é quase impossível. Já argumentei com a operadora de cartão de crédito que eu sou um dos milhões de assalariados do Brasil que não tem como manter um cartão, já aleguei que não tenho cartão pra fazer assinatura de nada, e também cansei de explicar que nunca ligo pra ninguém interurbano (se eu tenho internet em casa, MSN, Orkut, Skype, Google Talk, e-mail, pra que diabo ligar pra alguém em outro estado?!). Inútil, só serviu pra me convencer que esse exército de coitados que se submetem a serem operadores de telemarketing sofreram uma lavagem cerebral violenta, ministrada por algum Edir Macêdo da Auto-Ajuda, que também os convenceu que eles são bons em ganhar dinheiro enchendo o saco das pessoas pelo telefone. Pra completar ainda tem aquilo de gravar a conversa. É o vaticínio do Big Brother de Orwell: Você está na sua casa, no seu quarto, ao telefone com um estranho que fala como se fosse representante dos PABXs sem rosto, e fornecendo números de identidade, CPF, endereço, CEP e o cacete; e tudo sendo gravado! Mas eu descobri a maneira de me livrar do telemarketing, qualquer hora do dia, qualquer dia da semana. O aparelho do telefone tem um botão milagroso, sinalizado por um sininho cortado na vertical. Pluft!, levou a trava até ele e é só baixar o fone. Adeus vozes robóticas, adeus gerúndio, adeus invasão de privacidade. Morfeu, onde estavamos mesmo?