Meninos: Eu sobrevivi. Nos últimos vinte anos eu fui bombardeado, num verdadeiro "sunday bloody sunday", por Bono, Edge, Adam e Larry Jr. E estou aqui hoje pra contar minha estória. Minha mais antiga lembrança do U2 data de 1985. Eu tinha uns onze anos de idade, e minha noção de rock não ia muito além de Beatles. O segundo canal de TV aberta estava pra ser inaugurado no estado e como não havia comerciais lá ia Bono & cia, cantando no meio da neve, no clip de "New Year´s Day". Primeira derrota: O U2 não dispertou em mim a chama de ter uma banda, não me fizeram sentir a salvação batendo à porta, não causaram aquele estalo...1 x 0 pra mim.
Enquanto o quarteto irlandês virava febre e galgava degraus importantes em sua carreira, eu acordei pro "lado negro" do rock, e aí mesmo que não quis saber deles. Chegou 1987 e "The Joshua Tree" ganhou paradas de sucesso, clipes em Las Vegas, banda tocando no alto do edifício do Million Dollar Hotel (que ironicamente viria a ser cenário de um fiasco cinematografico deles anos mais tarde) em Los Angeles, resenhas dissecavam o significado de letras, repletas de metáforas judaico-cristãs, e Bono virou uma figura messiânica. Mesmo bombardeado por posters encartados em revistas e uma propaganda de marketing milionária, que fazia ter ânsia de vômito a simples menção do nome U2, eu segui em frente. Por todo lado todos tinham uma cópia de "The Joshua Tree" (um disco que quase vinte anos depois ainda tem muita coisa a ser descoberta), menos eu. 2 x 0 pra mim.
Já lá por 89 eu começava a enxergar a luz fora do lado negro do rock, enquanto o U2 vivia um passo importante em sua carreira: A conquista do mercado norte-americano. Nenhum artista é milionário suficiente enquanto não faz sucesso na terra do Tio Sam. Lá estava a MTV, os estádios de baseball, Memphis, a Sun Records, Elvis, os chapéus de cowboy e todo o DNA do rock´n´roll que o U2 foi buscar e retratou no documentário "Rattle & Hum", que um amigo da escola me aporrinhou pra ver durante semanas, mesmo que eu só me mostrasse interessado numa banda americana que corria por fora, fazendo sucesso nas rádios universitárias independentes dos EUA, um tal de R.E.M, que ninguém ,fora eu, conhecia. Fernando 3 x Irlanda 0.
Depois de toda super-exposição era mais que provavel que eles sumissem por um tempo. Um longo tempo. Quase três anos separam "Rattle & Hum" de "Achtung Baby". Muito se apostou numa acomodação da banda em relação ao sucesso e ao mercado. Aí eu caí, pela primeira e única vez no conto do Bono. "Achtung Baby" não só me surpreendeu como me cativou. É muito difícil pra uma banda se re-inventar, e ainda mais mudar uma imagem de bom-moço de seu frontman. Pois além de correrem de braços abertos pro mundo da música eletrônica (sem exageros e sem perder o fio da meada), Bono ainda virou um cara realmente cool, malicioso e politicamente incorreto com uma cigarrilha na boca, brincando de diabo irlandês, com grandes óculos de rockstar, e ainda por cima satirizando a mídia que o pôs no topo, tema central da turnê "Zoo TV". Um amigo de outro estado me disse uma vez que nos tornamos grandes quando aprendemos a rir de nós mesmos. E foi bem aí que Bono cresceu aos meus olhos. Escaparam do "capote": 3 x 1.
Correndo do rock em direção as pistas de dança, o U2 passou batido pelo Grunge e a consequente ressaca causada pelo mesmo, lançando uma série de discos onde flertavam mais e mais com as possibilidades modernosas da música eletrônica, sem perder o apelo das baladas e das turnês megalômaniacas, que acabaram trazendo a banda pela primeira vez ao Brasil. Lembro de ver esse show com dois amigos devotos e outros dois, fora eu, nem tanto. Na década de 90, a das guitarras, os loops e programações deram a tônica do trabalho. Pausa pra tomar uma água e receber instruções do técnico.
Para a virada do século, já no nincho que lhe cabe por saber administrar bem o nome, o quarteto ensaiou um "back to basics", tirando até a guitarra com a qual The Edge gravou o hoje longinquo "Boy" (81) do fundo do baú. Um dos meus amigos devotos mostrou-se admirado por "All That You Cant't Leave Behind" (2000) ter arrancado alguns elogios meus. Pra ele, um adorador desde os primórdios, era um "trabalho menor", a banda estava "se repetindo". Profeticamente, é o que eu acho de "How to Dismantle an Atomic Bomb" (2004), finalmente o U2 vai se repetir
ad nauseum, com seus refrões de arena, seus harmônicos de guitarra, baterias tribais e baixos marcados. Bono vai continuar seu marketing pessoal pedindo o fim da dívida externa dos países pobres, enquanto num longiquo país tropical de terceiro mundo pessoas dormem na fila, até com crianças recém-nascidas, para conseguir ingressos para seus concertos. De marketing eles sempre foram bons, começando do nome. Eu que sou um mal consumidor. Não há mais chance de me fazer revisitar os discos dos anos 80, não depois de eu saber que existem na face da terra Bob Dylan, The Clash e Gang of Four. Vou ver pela TV, ou quem sabe no próximo DVD da banda.