Hoje é aniversário de uma das coisas mais patéticas já ocorridas no Brasil, a Revolução de 64. Bancada pelo governo dos EUA e pela elite de direita, os militares, que desde o começo do século XX ensaiavam revoltas, foram alçados a condição de governantes, instituindo na sequência uma treva democrática que durou vinte e um anos.
Como em 90% das "revoluções" no Brasil, tudo originou-se no seio da elite e não foi gasta uma bala. Quando os tanques do exército vindos dos centros militares instalados em MG, SP e DF chegaram, por exemplo, no Rio de Janeiro, pegaram as pessoas de surpresa enquanto iam à praia, pois foram avisadas que as repartições e escolas não abririam e nem sequer se perguntaram do porquê do "feriado". A "redentora" é uma mentira hístórica tão grande que sua data foi grafada nos livros, por orientação dos militares, com a data retroativa a 31 de março, afim de não coincidir com o dia da mentira.
Os militares não mediram esforços para "conter o avanço dos comunistas". Fecharam o congresso, cassaram políticos, jornalistas, músicos, queimaram a antiga sede da UNE na praia vermelha no RJ, censuraram jornais e, achando pouco, baixaram, quatro anos depois, um ato institucional onde suspendiam todos os direitos de qualquer cidadão.
Apartir daí qualquer pessoa podia ser levada de casa, da escola, do trabalho ou do meio da rua sem mandato (ou seja, sequestrada), e na maioria das vezes sumia em meio a depoimentos e sessões de tortura, com direito a torturadores treinados e importados pela CIA, nos quartéis militares e porões da policia de repressão social (o famigerado DOPS). Muitos preferiram exilar-se, outros deram sequência à luta por seus ideais caindo na clandestinidade.
Eu peguei o final dessa palhaçada toda. Quando eu nasci, torturava-se a esmo e vendia-se a imagem de um Brasil próspero, que "ia pra frente", uma propaganda ufanista caracteristica de regimes totalitaristas dos mais caricatos. Já com um pouco mais de idade, lembro de ter de àlbuns de figurinhas onde a primeira página era reservada a bandeira, ao presidente da república (Gel. João Batista de Oliveira Figueiredo, o homem que gostava tanto de cavalos que certa vez afirmou que eles cheiravam melhor que o povo), as armas e símbolos nacionais. Lembro também de ficar no sol quente antes da aula, cantando hinos enquanto a bandeira nacional era hasteada.
Minha mãe foi professora de História do 2º grau. Durante a repressão era responsavel por duas disciplinas chamadas OSPB (Organização Social e Política do Brasil) e EMC (Educação Moral e Cívica), duas pataquadas acadêmicas inventadas pelos militares pra diluir a história analítica e instituir o "decoreba", pensando assim restringir a capacidade de entendimento do que se passava ao redor das pessoas (isso se chama "Laconismo", já era usado na Grécia antiga). Por anos ela têve de ir a reuniões de planejamento de aula que eram acompanhadas por agentes do SNI (Serviço Nacional de Informação, hoje tem outro nome, mas continua fazendo as mesmas palhaçadas, tipo puxar extratos de caseiros piauienses). Meus pais nunca se envolveram com "subversão", mas era patente que achavam absurdos certos exageros, como o "Amaral Neto, O Repórter", um programa de TV que passava nos sábados pela manhã, onde o futuro deputado federal Amaral Neto (o mesmo que criou o projeto de lei da pena de morte no Brasil) puxava o saco do governo mostrando aberturas de estradas e construções de hidroelétricas, passando assim uma imagem de desbravadores aos militares.
Já em 1985, o governo "da abertura" declarou anistia política a todos os envolvidos com ações contra o regime. Tiveram o cuidado de cria-la "ampla e irrestrita", assim anistiaram torturados e também torturadores. Ninguém do exército foi pra cadeia por ter deslocado um dedo mindinho sequer de um suspeito de subversão, ao contrário do que aconteceu, e acontece até hoje, em paises vizinhos como Argentina e Chile, que também tiveram seus périodos de chumbo patrocinados pela máquina democrática da CIA (que foi chefiada todos esses anos por...ora ora, George Bush, o pai).
Os governos de FHC e Lula, dois caras que sabem a dor de levar uma borracahada de cacetete, tiveram o cuidado de sucatear a máquina militar e achatar salários, tornando assim uma coisa muito pouco atraente a carreira militar. FHC mandou abrir os arquivos da repressão e o Brasil ficou horrorizado com a barbárie dos porões da ditadura. Os arquivos do Gel. Golbery do Couto e Silva, chefe da casa militar dos governos Geisel e Figueiredo, conhecido nos bastidores como "O Bruxo", tal era sua influência sobre seus superiores, viraram uma coleção de quatro livros sobre o período assinados por Hélio Gaspari, ao qual Golbery os confiou no final da vida. Gaspari precisou alugar um apartamento separado para guardar as "anotações" do Bruxo.
Hoje, 1º de abril de 2006, 42 anos depois só seremos pegos de surpresa por tanques de guerra na rua se não nos preocuparmos em conhecer nosso passado. Como bem profetizou Orwell, "Quem comanda o passado, comanda o presente".