Passados seis dias das mortes em seqüência de Apriggio e Laura, Lígia, secretária de Apriggio, recebe uma mensagem pelo celular. “Lugar comum, o mais breve”. O número estava suprimido, mas a mensagem era quase uma senha. Isabela, filha do casal morto queria vê-la no pequeno apartamento que mantinha longe da vista dos pais e dos amigos. Um lugar que comprará quando ela e Lígia pensaram em ir morar juntas.
Lígia ainda nem tinha voltado ao escritório após achar Apriggio morto no final do expediente. Antes que pudesse pensar em como encarar Isabela no velório, chegou a segunda notícia, a da morte de Laura. Controlou-se muito para não exteriorizar todo nojo de saber que Renato também havia sido morto e pelas circunstâncias enquanto mantinha um caso com a esposa de seu patrão. Não bastasse ele ter sido o pivô de sua separação de Isabela, agora ele aparecia como amante de sua mãe.
Ainda tinha as chaves do apartamento. Girou a maçaneta levemente e a luz que entrava pela varanda em frente denunciou um clima péssimo. Isabela, deitada em divã no meio da sala, uma garrafa de gim pela metade, um incenso de sândalo e uma versão quase natalina de “Suspicious Minds” saindo pelas caixinhas de som espalhadas pela sala (foi idéia sua colocar as caixinhas. “Nossa caixa de música”). Largou a bolsa e as chaves na mesinha de centro.
“Desculpa a demora, fiquei em dúvida se vinha de carro ou metrô”
Isabela engoliu o choro, também estava sentindo o caos lhe tragar pelas pernas. As mortes brutais dos pais, do ex-namorado, sua ex-namorada acha o pai morto. O velório, o enterro. Tudo ia e voltava numa reprise sem fim. “Eu achei que você ia ao menos falar comigo no enterro...”. Lígia respirou fundo, tentou manter a imagem de frieza.
“Olha, eu passei poucas e boas, tem idéia de quantos depoimentos eu dei a policia? Eu achei seu pai morto. Eu era secretária dele. Tive de entregar papéis, agenda, repassar pra eles ao menos os seis últimos meses de visitas e reuniões dele..”
“Eu sei.”
Ajoelhou-se perto do divã. Apanhou a garrafa de gim e deu um gole. “Diz o que você quer de mim. Por que me chamou aqui?”
“Precisava ver alguém, te ver...Sei lá. Meu irmão anda preocupado com a re-abertura do escritório, com a continuação dos negócios. Não quer saber o que eu to sentindo”
“Você têm notícias do que aconteceu com o corpo do Renato?”
Isabela fungou. “Despacharam pro interior, lá pra cidade dele.”
Ficaram em silêncio por um bom tempo. Lígia aperta o tornozelo de Isabela e assim chama sua atenção. “Olha...Eu te perdôo. Você sofria pressões familiares, não podia expor a nossa relação...”
“Foda-se!. Você está feliz do Renato ter aparecido morto nessa confusão toda. Tinha raiva dele.”
“Só acho isso tudo uma grande cilada do destino. Você, apesar dos pesares, não merecia passar isso.”
Isabela toma a garrafa de Gim e dá um gole demorado. Apoiada nos cotovelos olha fixamente para Lígia. “O que você sabe de tudo isso”
“Vá com calma! Já disse tudo que sabia pra polícia”. Lígia, como secretária, era um cão de guarda. Se alguém tinha ido até lá executar Apriggio, por mais profissional que fosse, não passaria despercebido a ela. “Bom... Quase tudo. Nessa confusão toda eu não repassei justamente o último compromisso daquela tarde. Um tal Jorge, um sujeito grande, com sotaque de nordestino, se dizendo de uma prestadora de serviços”
“Prestadora de serviços?”.
“Sim”
Isabela levanta cambaleando, vai até o quarto e volta com uma bolsa de griffe, começa a esvazia-la no chão. Com as mãos em movimentos circulares cata papéis, mas sabe o que procura. Um cartão.
“Jorge Lucena”.
Serviços Particulares “.
Abaixo, um número de celular. Atrás, de caneta, com a letra que ela reconhecia como a da mãe, “15h – US$”.